terça-feira, 9 de novembro de 2010

Texto amassado.

Hoje é dia 19 do mês frio de janeiro, eu rabisquei em papel que se amassa a mitologia desses seres que não existem para fora do real papel ainda liso, personagens. Atrás de mim tem uma pilha grande de papéis, todos amassados, pequenas bolinhas, grandes bolas de muitos papeis amassados uniformente em conjunto, alguns disformes, outros com potencial de figurarem em catálogo de museu contemporâneo e ainda mais alguns origamicamente abstratos.

Amassar papel é uma arte. Convenhamos. Não é qualquer escritor que bem o sabe. Fácil é escrever bem, texto bonito, expressivo e bem cozido, difícil é atirar com desprezo a literatura porcaria para o rol dos textos para sempre rascunhos. Ainda mais se for com um desprezo sem choro.

As palavras erráticas que saem do meu caos são impressas numa ordem de tal forma tão mal feita que não resta-me dar outro fim seguinte a conclusão do texto do que realizar a materialização física a essa toda malfeição. Conversão à massa, afórmica, assimétrica, de mão imprimindo força de exclusão ao conteúdo ilocucional, comprimindo-o até o mais próximo da não existência, e que se rasge ainda melhor. A progressão entre a palavra, o texto e a bola. Papel amassado quase sempre é bola. Necessário mais imaginação para amassar-se um papel de forma nova do que escrever um Shakespeare.

Últimamente inventei uma nova bola não bola forma de amassar o papel. É o amassado dos mais diversos, descarte de texto com grande pompa e circunstância. Começa-se escrendo um texto dúbel, sem forma, tempo impreciso, um único personagem, sem ação. Onde nada acontece apesar da subsistência ténue de um fio propagando o rolar do texto para lá. Daí faz-se uma dobradura metáfisica no texto. Amassa-se-o transcendentalmente. O texto parecerá novo, próprio a leitura quiça, apesar de ser completamente amassado e relegado a leitura das traças: pelo interior. Será ainda fruto do mesmo descarte que faz uma bola com texto de má qualidade, mas com criatividade.

Eu amassei esse texto!

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O mistério nas pessoas

Já parou para pensar no que as pessoas estão por aí fazendo enquanto você não se faz presente? Eu penso nisso constantemente. Eu ontem lia. Escolhi livro novo na prateleira e pus empenho de 4 horas, pausa de banheiro e água e essa foi minha noite.

Interim. Mal sabia que Amanda chorava por estar sozinha. Carlos, meu primo, admitia seu homossexualismo para os país. Fernando pensava na Larissa, mulher que amei, que pensava em mim, odiando. Minha tia velha queimou o braço na assadeira de bolo, de bolo que sai quentinho, bem molhado. O bolo da Tia velha caiu no chão, pois é castigo que se dá a bolo enervado que machuca tia velha probrezinha. No jornal foi notíciado que Carlos S. Gomes, escritor do livro que lia, morreu. Um amigo meu aprendia uma música no seu piano. Meu tio impotente a anos teve uma ereção no onibus e se desesperou não sabendo como usa-la. Minha irmã sorria das piadas sem graça que seu cachorro lhe fazia. O cachorro olhava minha irma querendo o que querem os cachorros. Cumpadi bebia sua cerveja preta. Um grupo de companheiros da univercidade faziam uma festa, mas nem me convidaram!

Um mundo se realiza no espaço, às vezes, grande, às vezes, pequeno, mas sempre entre: um até logo, e um próximo: olá, como vai?.

No tempo curto entre dois cumprimentos, há toda uma medida colossal. Extensão da minha curiosidade, obviamente. É somente no mágico espaço da alteridade que todos os meus sonhos que projeto se tornam possível para além de mim, e quem sabe até aconteçam realmente para esses os outros. Oi Beatriz! Tudo bem? Ai meu deus, quanto eu não pagava para saber o tudinho do ocorrido com ela desde o nosso último encontro. Vai ver encontrou Dante e nunca saberei...

As pessoas exercem essa atração mágica frente a mim, a do imponderável. É por isso que no muito comum dos dias eu fico sabendo das fofocas inutéis e me inquieto estupefado, puxa porque que tudo isso não acontece comigo? Porque que tudo isso não tem nem pretensão de passar na minha esfera de existência a não ser como fato de outro? A minha vida é um grande tédio, a fora todas as odes e idílios que escuto de um Homero fofoqueiro. Eu ouço das muralhas de troia caindo aos pés do exército grego e fico irremediavelmente maravilhado, como deveria. Não que eu seja uma pessoa que procura saber das fofocas, ou que liga para isso, mas aproveito quando elas chegam até mim já que são o veículo do fantasioso tomando vulto, nome e número de cpf, com direito a detalhes lívidos.

O problema são dois. Primeiro, que a matéria de boa literatura, que são as fofocas dos bons oradores e ainda por cima de estórias altamente comprometedoras, são incontáveis, ou quase, pois se forem não graçam de muita mobilidade. Elas possuem essa certa inércia. Segundo é que nunca ninguém fofoca sobre mim, dái concluo sumariamente eu sou um dos tipos mais vulgares, de vida pacata, que vive, come e morre. Sem grandiosidade qualquer. Sem nem ao menos merecer literatura de uso corrente difamatório: mexerico. A minha vida procura por possuir uma estória, necessáriamente verídica, onde eu, protagonista, seja merecedor de boca alheia. Aí sim encontraria a felicidade. Agora entendo Aquiles e sua decisão.

No entanto, aconteceu algo na minha vida que as pessoas encontrariam uma verdadeiramente volúpia de tomar consciência, mas não conto para ninguém.

Não sei porque, mas não conto.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Amo Guimarães, Diadorim nem se falo!

"Como se amar uma pessoa que não se conheçe?"

Ele morreu e nem projeto eu não tinha de nascer. São trinta e sete anos que nos separam, de morte e de nascença. Ele morreu no auge, eu nasci na baixa. Demorei bem 20 anos para travar contato com ele.

Primeira olhada foi assim. Livro bonito, capa branca, quê diferente!, tem título em cordão vermelho, até que se parece sangue em escorrimento... Grande Sertão: Veredas. Título com dois pontos, marca estilística. Dei bola não. Hoje grasso arrependimento por não ter comprado uma das dez mil edições do homem que amo.

Segundo olhar foi ele que deu, puxou papo, falou me leva, por carinho. Livro capa verde, capa dura, capa viril, de conteúdo, de Cordisburgo. Peguei, nem vi nada, pagava preço e meio mas levava. Barato foi. Livro é barato sempre. Li desde então e então foi a primeira vez que um livro me leu também. A sensação foi inconsolável, devassamento. Que história contei eu para o livro? Sei não, sei que agente se esbarrou de novo.

Ano mais tarde passei na Travessa de Ipanema, minha preferida. Procurei livro de bolso grande para levar em mala maior para viagem distante e sozinha, achei Guimarães. Comprei edição comum porque a bonita já tinha esgotado. Procurei tempo grande edição da bonita, mas gente esperta não esperou e levaram todos antes de mim.
Edição comum, de tinta preta em folha branca, de história linda e forte. Como Diadorim.

Faz problema não. Se não comprei o livro, mas sei que a minha edição está dentro da Biblioteca parisiense François Mitterrand e atende por chamada de aula de menino de 8.551. Entrei quieto, com medo da imensidão de parede em livros, procurei língua mãe português e lá encontrei. Capa branca de preto sujo, cordão vermelho desfiado, igualzinho ao sonho e só minha. Pois tinha a certeza que nem ninguém tinha a lido desde tão. Vê-se-lá francês catar livro português. Vi não, nem ninguém não vê.

Foi assim a conhecença e o pertencimento. Eu sou dele mais que ele de mim. Descobri o Guimarães para mim, tá lá no espaço público da seção voltada para o lusófono, pode ir lá ver, conferir, mas não arreda posse que escaramuça de faca não-afiada há de haver. Número 8.551, têm carimbo local em azul e mais uns outros números de ordem de prateleira cheia que ninguém visita.

Como ama-lo? Sei não que amar é coisa de corpo que não se entende. No livro dele tem corpo meu. Não se entende, se ama. E justo entendimento que se não necessita... Eu sempre procuro a elocução da palavra, as possibilidades de dizer limita em muito a capacidade de viver. Em verdade, viver é narrar desde em contínuo sua própria história, tem vida não sem Palavra, com 'p' grande de importância. Viver são duas perninhas entre o 'a' e o 'z' e tudo tá lá dentro.

Ele amou a palavra, eu a amo também. Amamos os dois ela, palavra: Palavra. Eu busquei sempre em formas complexas disnenarráveis tudo o que ele em palavra fecunda de analfabeto criou. Discerrando abismos da natureza humana em língua de jagunço dia-a-dia. O valor da literatura contra o valor da mente que pensa num mundo sem tanto sentido. E Eu amo a literatura como eu amo a vida como eu amo Guimarães. Guimarães criou Diadorim. Eu amo Guimarães, Diadorim nem se falo.

Diadorim é a mulher da minha vida e para além dela. Mulher de vida-vida foram outras, projeções mesmo das que existiram, e mesmo existência d'outra das projetadas. Eu amei muita mulher longe, pouca mulher perto. Amei muita mulher personagem, personagem de história de vida vivida na narrativa. Amei mulher mãe, mulher irmã. Amei mulher fatal. Amei mulher bonita que só. Mas nunca que amei amiga não. Quero amar mulher amiga, de se conhecer desde antanho estórinhas partilhadas em segredo de noite. De saber minúscias de mão em cabelo e sorriso bobo de sem-graça. De amar amando sem entender...

Reinaldo é mulher forte, corajosa. Herói, heroína dos meus sonhos, do meu livro. Do corpo no livro. Beleza de olhos verde, esmeraldadinhas. Pois vou eu amando ela enquanto minha Diadorim não me bate à porta e diz: Cheguei.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

As vezes um cachimbo é só um cachimbo.

Isto é Tomas. Tomas é um homem. Tomas tem um cerébro que ainda irá ser utilizado para duas coisas. Deixo a vocês a caracterização de Tomas, porque Tomas é qualquer um. Um homem genérico, não em específico. Ele não existe e nunca existirá, salvo nesse escrito. Portanto pouca importância há em saber como ele era, a cor dos cabelos ou a raiz de suas crenças. Ele ganhou esse nome porque acabo de ler um livro em que um personagem Tomas, em específico mesmo sem existir, me marcou muito.

Isto é a carta que Tomas escreve. Tomas usa seu cerébro para escrever a carta. Tomas vai se suicidar e Tomas vai deixar ao mundo suas últimas palavras. A carta mesmo tem pouca importância, pois que importância teria o último gesto altruísta de um homem egoísta, pura demagogia. Não nós interessa. Tomas escreve um carta porque eu amo escrever e sempre senti uma afetação muito grande pelos motivos que levam uma pessoa a escrever uma carta. Receber uma carta me marcaria muito. Eu nunca recebi uma carta.

Isto é um revólver. Funciona apertanto uma espécie de alavanca que por um mecanismo intrincado acaba dispondo um pequeno pedaço de ferro no cerébro de Tomas. Tomas usa seu cerébro pela última vez. Tomas é morto. Muitos homens morrem, Tomas é um morto espécifico mesmo tendo sido um vivo genérico. A morte de Tomas nós interessa. Morrer me marcaria muito.

Isto é um cachimbo. O avô de Tomas sempre fumou. O avó de Tomas se suicidou. Tomas vem de uma família de suicídas. O pai de Tomas só não se suicidou porque morreu atropelado, um carro o econtrou primeiro. Ou vai ver foi suicídio. O pai de Tomas era filosófo. Eu adoraria ser filósofo, não ser filósofo me marcou muito.

Isto não é um cachimbo. É a imagem de um cachimbo. Magritte, um pintor, pintou a imagem de um cachimbo, e mesmo sem ser filosófo, filosofou em cima da imagem do cachimbo que não é um cachimbo. O pai de Tomas que era filosófo, mas não pintor, um dia discursou para Tomas sobre o que um cachimbo poderia ser além de cachimbo. A vida de Tomas foi marcada pela traição da imagem do cachimbo.

As vezes um cachimbo não é um cachimbo. No mais das vezes, tudo é algo mais do que aparenta. Ver com os olhos que vêem cachimbo é muito fácil, difícil mesmo é ver com os olhos que vêem o que o cachimbo esconde. Procurar por trás das aparências é o dever de um filosófo. A vida é vasta e as metáforas são perigosas. As metáforas são o que tornam o cachimbo em outra coisa, elas fazem ser o que é em algo totalmente outro. Eu procuro a verdade das metáforas na filosofia e na literatura. Tomas procurou a verdade no cano do revólver, eu ainda quero usar meu cerébro para outras coisas. A vida é muito besta sem as metáforas, eu as procuro para encontrar sabor, mesmo sendo perigoso. Minha vida foi marca pela procura incessante da verdade por de trás do véu que esconde o cachimbo que não é cachimbo, metáforas.

E por que a morte de Tomas nós interessa? Porque a morte de Tomas é só a morte de Tomas, nada por detrás disso. Sem metáfora, sem alegoria. As vezes um cachimbo é só um cachimbo. Ele decidiu não mais viver e que não há mal nenhum nessa decisão. Para mim todas as pessoas são marcadas de idiotas se por ao menos uma vez elas não pensaram na hipótese de suicício.

Isto é um texto. O texto aparenta dizer algo sobre Tomas mas na verdade diz tudo sobre mim. Esse texto não é só um texto. Esse texto é uma metáfora sobre mim.

Fecha o véu, acaba a metáfora, termina o texto.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Linha 12 bis.

"Você era morena, doce, linda. Eu era pequeno, tímido, besta. Estavamos na linha 12 e você desceu em Concorde. Ao sair me pediu licença de uma maneira polída, lembra de mim?"

Saiu assim no jornal o meu anúncio, do lado de outros tantos vendendo carros, apartamentos, oferecendo empregos ou buscando um. Eu procurava ela. Demorei um dia de ansiedade para publicar, foi no jornal Liberation. Cento quarenta e quatro caracteres tipográficoss. O melhor que consegui fazer sabendo que devia respeitar o limite de 150, sem contar os espaços, porque mais não poderia pagar. Saiu já faz um tempo, uma semana. Não tive resposta.

Foi a primeira vez que eu a vi. Como era bela. Metrô de Paris é assim: chaque coup d'œil un amour. Mas com ela foi diferente, me senti esquisito, embarassado, revirado. Ela portava um vestido roxo beringela com uma grossa faixa branca amarrada na cintura fina, um batom vermelho nos lábios rosa, um sapato preto nos pés brancos mas um arco negro nos cabelos negros. Era fina, sensivel, delicada. Gostaria de revê-la ao menos uma vez, e nesse encontro conversar, porque eu já me criei-a tantas vezes na cabeça, um delírio de mulher todas as vezes. Compara-la com meu sonho dela.

Vendo-a sonhei um sonho doce de não querer despertar, mas a estação chegou e o aviso sonoro de fechamento de porta me acordou. Ela foi-se, eu também, ela não sei onde, eu para Madeleine: próxima estação. Entretanto, correndo atrás foi meu anúncio... e se ela lê somente o Le Parisien ou quem sabe o Le Monde? O dinheiro é curto e eu publiquei somente no jornal que leio, ingenuidade pensar que ela compra o mesmo, ainda mais que se detenha a ler seção de anúncios. Quem sabe, a vida é cheia dessas coincidências?

Vai saber espero que ela não responda, pois há muitas respostas possíveis e nem todas elas eu gostaria de ouvir. "Claro que lembro. Eu também te reparei. Achei você muito simpático além de bonito, que tal marcar um copo? Me ligue 01 49 42 87 64, me chamo Michelle. Bisou" Eu acho que Michelle é um belo nome, e combina com ela. Eu ligaria, ou melhor eu liguei, vai que nas bizarras coincidências da vida eu não acertara o número da casa dela, sem querer, no sonho de dia-a-dia? Puxei o telefone e liguei, atenderam, pedi para falar com Michelle mas ninguém morava lá com esse nome. Depois lembrei que não conhecia Michelle como conhecia minha projeção dela e que bem poderia se chamar Camille ou qualquer outro nome.

Outro dia, na linha 9 jurei que a havia encontrado, estava loira, sem arco, sem beringela mas ainda bela. Quem sabe mudara? Quem sabe era outra? Faz já algum tempo que nos desencontramos e começo a esquecer seu rosto, tenho dificuldades para lembra-lo e já não tenho mais a certeza se é lembrança ou invenção. Resta somente as lembranças das lembranças que podem nem ser suficientes para distingui-la na rua, se a encontrasse. Ainda bem que Paris esta repleta de belas mulheres e também de linhas de metrô para encontra-las.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Alegoria da Morte.

Um quarto, um vazio, uma janela, um vazio, eu, mais eu vazio, e outras vezes mais o vazio do meu eu. Infinitamente eu, e o vazio infinito. O vazio meu que faz companhia ao Vazio, eles trocando as confidências, olham um para dentro do outro e descobrem que todos os vazios são repletos de.

O grande mistério da vida, da morte e tudo mais além, se resume ao vazio de um quarto branco e a uma vida vazia de tão branca. No meu quarto há meu quarto, eu e mais o pórtico para o vazio cheio que me faz companhia e a que se chama vida. Porque estou preso neles, no quarto e no vazio, da mesma forma que eles estão presos a mim: quartodespensa do vazio. O branco do quarto faz contraste ao vazio cheio de cor e barulho, e tudo mais que é vazio, que vejo pela janela.

As religiões do mundo procuram todas a verdade do pós-morte. Pois então que nada mais verdadeiro que a morte em si, eu já morri faz muitas vidas, infinitas passadas, infinitas por vir. Eu vivi uma vida cheia depois morri, igual a todas como todos julgam. Morri e me encontrei nesse quarto branco com essa janela que é o inferno. Um quarto pequeno com uma grande janela e por ela se vê toda a vida que se vê quando se vive.

Essa é a morte, ou melhor, o além morte. A condenação a toda a vida, novamente. Eu fico aqui sentado, prostado, preso a rever a minha vida, a reviver do começo ao fim, da não vida até a morte e quando eu me vejo morrendo entra em cena o meu nascimento. Um filme em loop, encadeado, infinito. Faz muitas vidas que morri. Perdi a conta, já não sei mais. A única coisa que sei é minha vida toda, sem resalvas, e toda a consequência que daí advém.

A primeira conclusão que se chega, a que cheguei, pois não assumo que tenham outros como eu que não Ixon, Prometeu, Tântalo e Sísifo, é que a vida é presa ao seu próprio vazio e não importa o que, tudo perde o sentido face ao infinito. O infinito é a arma mais poderosa que existe, ele me oprime e quem sabe vai te oprimir também quando você morrer. É a única prisão inescapavél, o inferno mais macabro, a tortura mais dolorosa, o vazio.

Considerar que cada ato que escolher será escolhido para sempre, irrevogável como a sentença do juiz imparcial sobre o réu culpado, é a vida. Toda ela, toda felicidade, toda tristeza, toda as coisas minúsculas ou mesmo as grandiosas, toda mesma sequência... por sempre mais, sempre vezes mais. Soubesse antes viveria diferente, e nada teria mudado, pois tudo é nada frente ao infinito. O infinito é cheio de nada e esmaga tudo que é nada também.

Vejo minha vida e sinto essa Náusa frente ao Absurdo errático que é a resposta dela frente a minha consciência racional, de morto. A náusea é branca o absurdo é vazio, e os dois são a mesma coisa. Isto não é tudo, isto não é nada. As duas caras da mesma moeda, duas aparências para a mesma coisa, duas palavras que são a mesma.

Imagino toda a vida que vivi e percebo que ela só pode existir dentro de mim, habitat do nada, porque o ciclo infinito mesmo pesa infinitamente menos que a condenação a toda vida não vivida. Todas as possibilidades, tudo aquilo que não foi, do que poderia ter sido, de tudo que eu disse não, tudo que eu queria fazer e não tive coragem, tudo que eu evitei, todas experiencias que não tive, todos os livros não lidos, tudo que não aprendi a fazer, tudo que não senti, de todos que não conheci, de todos que não amei, de tudo que corri de, de tudo que eu quase fiz... e por fim ter a consciência disto tudo, nada que fiz!... será nada para sempre, será nada pois veio dele, e tudonada que não vivi será condenado a prisão de dentro de minha cabeça, de dentro de minha vontade. O Branco.

O quarto é branco e tem razão de ser assim. O branco é a impressão no olho de todas as cores. Da mesma forma é a vida, ela é o conjunto das situações que a compõe. O quarto não poderia ser preto, que é cor alguma, pois está no preto todas as cores que não existem, pois o quarto branco está lá para mostrar o branco; conjunto da vida, mas só para resaltar o preto que é tudo o que não foi. Infinitamente maior que o branco, o Preto.

Lembre-se toda a vida não vivida permanecerá para sempre não vivida. Lembre-se disso e escolha bem o que escolher. Pois eu sou a Morte eu estou dentro de você. Lembre-se que estará preso para sempre no quarto branco. Lembre-se que é no preto que permanece toda a esperança de vida futura, que o preto são todas todas as cores que não conhecemos. Onde se encontra toda vida possível.

domingo, 15 de agosto de 2010

Lingua.

Linguas são feitas para beijar mas a gente também escreve com elas. Passa ela na tinta, depois no papel, que gosto que tem? Pode ter gosto de tudo, que é também um jeito muito complidado de dizer nada. Eu exercito minha lingua, você exercita a sua? De saliva cuspida ou com palavra dita?

Sou brasileiro, falo português, e amo minha língua, mas como minha língua é também língua de muita gente por aí, posso concluir silogisticamente pelas premissas que amo a língua de muitas pessoas. Amo a palavra e a saliva. Por que saliva é palavra mas que não há palavra que se sustente em boca seca sem saliva.

Palavra é literatura, uma lambida dadaísta. Lembre-se Dada começou com tudo. Com a palavra, com a saliva, com a palavra feita de saliva, com a saliva na palavra, com a palavra saliva e com a saliva palavra. Dada. Dada palavra e dada saliva, dá ou não dá?

Sinto falta do português e de usar ele na minha língua, na minha língua a língua. Saudade, palavra linda: de tão difícil tradução mas que não há uma língua da língua portuguesa que não sinta seu sabor amargo. Eu quando sinto saudade da língua eu beijo minha língua, ouço chico buarque e escrevo literatura. Dada começou com tudo e eu, termino.

sábado, 8 de maio de 2010

Amor entropia.

Existem certas coisas absurdas que de fato não deveriam existir...

Sou cientista. Físico-teórico na área de gravidade quântica de loop. Nem tente, digite na wikipedia se curioso. Sabemos todos que a teoria das cordas é insignificante em termos de qualidade e arcabouço empírico-teórico quanto a minha área de atuação. Poderia discutir e facilmente te persuadir, mas discordo que seriamos ambos capazes de te fazer entender o obvio.

Escrevo sobre a entropia. Alguns físicos a definem como sendo o grau de incerteza e desordem associados a todos os sistemas. Eu particularmente adoto a definição dela como a quantidade de que uma reação tem de ser reversível ou não. Basicamente, quando um copo de água fria encosta num copo de água quente existe a certeza de que a água quente ceda energia para o copo de água fria esquentando-o. No fim, os copos terão a mesma temperatura.

De acordo com a lei da entropia não existe possibilidade da água fria ceder energia para a quente resultando em uma água mais fria e outra mais quente. O processo de troca de energia entre os copos é irreversível, sempre a energia fluirá do copo quente para o frio. Zero chance de acontecer o contrário. Zero mesmo, não esse quase zero fajuto da teoria bosônica das cordas. A teoria das cordas é uma coisa absurda e não deveria existir.

Em resumo, apertar a pasta de dentes é um processo irreversível, nada de chances de a pasta voltar sozinha e magicamente para o tubo.

Voltemos, para o texto a seguir é preciso saber o que é entropia, portanto a explicação passada.

O universo é o resultado de um loop de emaranhamento quântico de 11 p-branas dimensionais sem começo nem fim, afinal o tempo é uma dessas p-branas. Nem me pergunte o significado da palavra brana conter um p antes, nem muito menos o que seja uma brana, você não quererá saber. Existem intrincadas leis para o funcionamento dele, o universo, e em especial existe uma constante de estrutura fina que regula a intensidade da força eletromagnética em relação com as forças nucleares forte e fraca. Aproximadamente o inverso de 137. Se esse número fosse qualquer coisa pequena de diferente, qualquer coisa, de qualquer coisa, como conhecemos, não seria possível. Qual a probabilidade de uma dessas branas não ter colapsado na origem do universo?, praticamente acabando com tudo, qual a probabilidade da constante de estrutura fina ser o inverso de 103 ou qualquer outro número, praticamente alterando tudo. O Universo é uma coisa absurda e não deveria existir.

A Terra é uma simples bola de metal vagando por aí num ermo qualquer de um espaço frio e mais vazio que cheio. Acontece que a Terra ao vagar encontrou algo parecido com um Sol no caminho e começou a orbitar em derredor. Probabilidades do encontro astronômico? Certamente, o zero quase zero, não zero, da teoria das cordas. Acaso as velocidades de aproximação, ou o angulo de deflexação gravitacional fossem diferentes a Terra não orbitaria em redor de qualquer coisa parecida com um Sol. O planeta Terra é uma coisa absurda, o sistema Solar é uma coisa absurda e eles não deveriam existir.

Um belo dia a bilhões de anos atrás a vida na Terra surgiu do nada grão de rocha que somente havia. Qual a probabilidade de assim ocorrer? A Vida é uma coisa absurda e não deveria existir. Que me diria ainda que a vida evoluiu em diferentes formas ocasionalmente gerando seres como os humanos, capazes de amar, guerrear, se misturar, se perder e se achar. Antagônicos e ambivalêntes em tudo. Seres Humanos são absurdos e não deveriam existir.

Humanos, por sua vez, aglutinaram-se em grandes centros como qualquer coisa como cidades e passaram a morar juntos. As cidades cresceram e apartir dai, ao invés de morarem juntos, todos os seres humanos começaram a morar separados. Estatisticamente falando, na cidade-bagunça em que moram milhões, qual não é a probabilidade de dois seres em específico se encontrarem. Se todas as possibilidades: de ter dobrado uma rua antes, de ter ido de ônibus, de sua mãe ter morrido um dia antes, de você ter ganho na mega-sena, de desviar o olhar por causa de uma mosca... não, você estava no local certo, circunstancialmente ali para aquilo, encontrá-la. Dois seres mecanicamente determinados a se encontrarem... Dois seres determinados a se encontrarem são absurdos e não deveriam existir.

Do encontro causal-determinístico desses dois andantes, as palavras certas, os olhares certos, a pulsação conjunta, e se o silêncio errado?, se os olhares tortos?, se a pulsação fraca? certamente eles não teriam se apaixonado. Dois seres andantes se apaixonando é tão improvavél pois qualquer motivo é motivo para rejeição. São obviamente absurdos e não deveriam existir.

A paixão pode ser de temporal de verão, chegando negra e pesada, desabamento rápido e depois que suma. Mas não!, ter a certeza que ambos são a plena definição de entropia. Que cada um depois do encontro será como o tubo de pasta de dentes apertado. E quem vai fazer a pasta entrar de volta no tubo? Entropia, pasta fora do tubo, cada um marcou o outro para sempre. Caros senhores nesse mar de absurdos, as pessoas apaixonadas entropicamente são absurdas e não deveriam realmente existir.

Mas existem.

(Dedicado a um casal de amigos, namorados, que são especias por serem também uns para o outro.)

Literatura de Picuinhas.

Homenagem a página em branco:









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A página em branco me traz agônia, realmente. Não vejo uma sem me alterar. Pórtico para o imprescutado, ponto avante para o desconhecido, chance para o imponderável. E se por acaso me salta uma dessas coisas sujas que vivem dentro de mim? Como vou fazer, e as outras pessoas, que vão falar? Hoje me disseram que eu compro livros como quem compra bibêlos. Compro por que faço coleção?, meros objetos decorativos?. Engraçado que eu ganhei um livro-bibelô que amei, histôria de foro intímo, que você, quem quer que seja, fique de fora.

Compro livros por que eles não tem páginas em branco, se tivessem por que os compraria? E tão certo, cada livro é fixo na sua possibilidade, cada livro traz sua ordem e quem saiba essa ordem não transborde para a minha bagunça.

Com certa sagacidade me perguntarão os quatro leitores que tenho... se bem que eram cinco. Perdi um. Nunca mais tive notícias dele. Não entendo, não deixei páginas em branco! Voltando, perguntarão-me: caro Autor se não suportas as faltas de uma página sem tudo, advertência: sem nada é com tudo, então é sem tudo mesmo, por que largou uma no começo deste mesmo texto? Mas horas, quê idiotas serão estes. Está escrito, uma homenagem. Afinal, posso homenagear o que odeio, certo, ou não?

E para preencher mais uma página em branco que não suporto, este texto.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Carta a uma homem de 40 anos.

Caro Filipe aos 40,

Olá,

Não sei muito bem como começar, mas tudo nessa vida precisa de um começo, e o dessa carta se dá mesmo que na dúvida. Me chamo Filipe Coutinho Pereira e é bem possível que esteja familiarizado com esse nome, não que seja de alguém famoso, pois não é que seja, mas sim da fama que algum obtém de si para si. Sendo ele mesmo, ou você, no caso eu. Sou você à vinte anos passados, hoje tenho vinte anos, mesmo que o hoje não seja hoje. E por que endereço a carta aos seus quarenta? Afinal são seus, não meus. Eu só existo nos vinte. Quem sabe vinte um. Depois vivo, apanho, experimento, cresco, chego ao limite de não me conter mais neste corpo, explodo e não há mais aquele de antes, morro. Dái nasce um outro de vinte e dois para vinte e três totalmente diferente. Mas que também viverá, e também morrerá. Bom assim foi até chegar em você, neste ciclo... Creio que dele você saiba mais do que eu, afinal não minha perspectiva ele é tão somente um porvir.

Dois é um número cabalístico para mim, de fato. As respostas para os problemas de matemática mais difíceis geralmente são dois, todos os números podem ser escritos em somatórios de pontêcias de base dois, dois determina o dual, a antípoda, o maníqueismo, o preto no branco por assim dizer. Além do mais, estabelecemos um diálogo. Dia Logos, duas vozes ou duas razões pensantes. Acretito que você aos quarenta representará simbolicamente o contrário do que sou hoje por ser o meu dual. O meu vinte vezes dois, o avesso do vinte. Acho que ninguém mais interessante nessa vida do que você para se iniciar uma correspondência.

É bem certo que preciso me apresentar apropriadamente, saber que sou o passado de um homem formado não é suficiente, não poderia confiar na sua memória, a minha de jovem já esquece o verso que ontem mesmo ficou impresso na alma. Será que por aí já se existe algum meio de lembra-se de tudo? Se sim, meus pesâmes, a consciência do que se passou é terrível, sou muito mais a imprecisão das lembranças manipuladamente 'acontecidas' pois é nelas que se materializa o não fato. Voltando, tenho a certeza de que a única coisa de que possuímos em comum seja o nosso nome e nem isso é único a nós, lembra-se que no vestibular do falecido dezoito encontramos um homônimo?

Te imagino de certa forma independente quando sei que sou eu mesmo independente, mas com a condição de o ser tão somente quando não estou sozinho. Abro espaço para enunciar um dos paradoxos do 2: Ser independente nas mínimas condições de 2 pessoas, ou o fato de o 1 não se sustentar em mim. Te imagino forte e maduro, quando sou fraco e infantil. Te imagino rico casado com uma linda mulher, pois isso me apetece mesmo sabendo que isso é o segundo nível mais bossal de vida que um sujeito pode levar e sabendo ainda que o primeiro é desejar isso. Te imagino dono de uma riqueza cultural imensa pois isso engrandece meu ego. Te convido a imaginar o homem que existirá aos sessenta. Mais humilde?, mais humano?. Terá família?, Terá histórias de amor?.

Vê-se bem que aquilo que mais me caracteriza hoje é esse certo ar de pretensa erudição com quê de omissa circuspecção. Essa máscara me veêm pegada a cara desde muito já que é por trás dela que escondo copiosamente minhas mais profundas fragilidades. Desde criança fui considerado progiosamente inteligente, aparentemente esforcei-me muito para corroborar com essa caracterização. Hoje só me resta a isso.
Sou de fato inteligente, ou pelo menos nisso acredito em acordo com meus achismos, atenção aos 'ismos' pois neles sou versado e são muitas as teorias que consigo demonstrar para provar que sou especial e único. De fato as minhas filosofias e ciências humanas me servem praticamente para sustentar a farsa do que não sou. Elas são fortes e aguentam todo o peso da minha fragilidade interior. Essas minhas muletas me trouxeram até aqui, sou grato mas tenciono abandoná-las o quanto antes.

"Estou cansado de inteligência, pensar faz mal as emoções." Fernado Pessoa

Sou inseguro com a minha aparência, acho-me feio, repulsível. Espero que você tenha dado um jeito nisso pois eu não fui capaz, espero também que não tenha apelado para plástica mas que tenha se aceitado como é se não for pedir demais. Sou solitário e tenho tendências para me afastar das pessoas que mais gosto e realizar isso neste momento me faz chorar. Um grande problema é que eu sou ótimo para me afastar e horrivel para me re-aproximar. Escondo-me na ilusão de que faço amigos facilmente, irônia do destino. Realmente sou obrigado a buscar outras opções começando laços novamente quando já joguei todos que tive pelo ralo. Ser capaz de rápidas amizades é uma destas teórias de que falei, pelo menos me evita de encarar a realidade da solidão. Muletas de uma manco.

As minhas grandes conquistas foram básicamente duas até o meu presente momento. Aprendi a sentir, hoje sou capaz de divisar meus sentimentos e sentir as dores e alegrias que me cabem. Cada qual sabe a dor e a alegria de ser o que é, e eu aprendi isso. Sou grato aos ensinamentos do dia a dia por tal. Sempre sei distinguir o que as pessoas ao meu redor sentem, mesmo não sendo capaz de fazer muito por isso. Qualquer aproximação do lirismo me emociona profundamente, e as relações humanas pela minha empatia apreendida me move mais do que qualquer coisa.

Consecutivamente, a outra grande conquista foi ter visualizado o mundo como um grande combate, e que devemos aprender a lutar o quanto antes. Creio que demorei e fui passivo por tempo demais na minha vida. Existir é lutar e quem não sabe lutar está morto, viver é em termos provar-se que não morto. Desistir dos obstáculos não é uma opção. Me permito ao fracasso, se realmente for essa a experiencia que eu tiver que passar, só não me permito desistir. Entretanto, devo admitir que nunca ocorreu-me um obstáculo intransponível. Talvez eu arrisque de menos encontrar uma montanha que me faça achar o duro caminho que a circunda pelas beiradas.

Sou mais maduro que a média de minha idade e assumo responsabilidades de um homem em formação apesar de frequentemente me arrepender de assumi-las. Um grandissímo léxico me permite um aporte para entendimentos de pontos de vistas completamente oblíquos e inusitadamente originais. Sempre possuo uma opnião que mesmo bem fundamentada difere de todas as outras em que esbarro, talvez seja essa a forma que encontrei de ser único. Adoro as palavras e apesar de estar me formando em engenharia possuo aspirações de poeta.

Como dizia... Minha palavra preferida é 'perscrutar' que num primeiro encontro se faz de misteriosa de entendimento difícil, mas que depois que perscrutamo-a entendemos com facilidade. Além do mais acho que ela possuiu um sonoridade forte, que marca presença. Sou perscrutador. E como a própria palavra já demonstra aquele curioso que investiga só encontra dor, vide a caixa de Pandora. Um adento, tenho estudado françes e descobri uma palavra muito bonitinha, très mignon, significa populoso mas tem uma sonoridade sublime. 'Peuplé'. Não me pergunte para a ler, ainda tenho dificuldades para pronuncia-la.

Momento sabedoria de Machado de Assis: "O menino é o pai do homem". De fato, se acha que sua vida deu errado você já sabe quem começou isso tudo, fui eu. Eu sou seu pai de certa forma. Acho que fiz até agora um bom trabalho te criando e possuo altas expectativas quanto ao meu futuro, você. Por favor, não me desaponte.

Peço para que me escreva o quanto antes, e que escreva o que estiver na ponta da sua caneta. Só não me conte os acontecimentos históricos ocorridos na nossa separação, prefiro ve-los de primeira mão se desenrolando na minha frente, sou um percrutador afinal.

Por comparações possiveis escrevo banalidades que de certa forma compõem aquilo que sou afora toda a explicação filosofica que você já esta cansado de saber, pois afinal quem a criou foi você um certo tempo a trás, eu. A saber, as últimas que ando sendo:

Não tenho time de futebol. Atualmente uso só All Star. Gosto de ler. Meu escritor favorito é Guimarães Rosa. Faz tempo desde que li meu último livro de filosofia, so ando a ler literatura. Possuo um grupo de amigos fies e presentes. Fui vegetariano a pouco tempo. Me apaixonei. Me diverti muito com meu primeiro carro. Bati meu primeiro carro. Nunca provei caqui. Meu quarto é preto. Faz muito tempo que estou para comprar um mousepad. Visto 42. Fumo cigarrilhas, cachimbos e charutos mas nada de cigarros. Viajarei em breve para a França. Acho que arrotar é falta de educação. Ando curtindo insonmia. Estou terminando a análise. Prefiro cerveja preta. Ando interresado em autismo. Quero convidar uma certa mulher para sair comigo mas não criei coragem ainda. Gosto de jogar Fifa com meus amigos. Meu carro é 2.0 por sinal. Ando falando pouco com minha mãe e muito com meu primo. Tenho três relógios de pulso mas nenhum funciona direito. Ando me liberando artisticamente com a escrita. Descobri que gosto mais de Botafogo do que da Barra. Nunca usei aspirador de pó. Quem faz compras de mercado na minha casa agora sou eu. Gostaria de ter uma camera fotográfica profissional. Não sou fiel aos meus cabeleireiros. Falo: "são uma hora da tarde". Chorei muito vendo "Casa de Areia". Me envergonho de usar sungas. A minha vizinha da frente é loira e mãe. Wander Botelho mora no meu prédio. Cumpadi é meu pai preto, Margareth a mãe loira e Thais a irmã loirinha bombril. Meu quarto está uma zona, livros espalhados por todos os lados. Sempre rio quando ouço: "C'est un bordel chez moi, J'ai besoin d'un femme du ménage". Lembrei da teoria da inveção das cores recentemente, e com isso a teoria do carro de fórmula 1 seco. Gostava de "Jurrasic Park" na infância e continuo até hoje. Tiro meleca quando o trânsito engarrafa e jogo pela janela do carro. Não tenho medo nem vergonha de nada, eu acho. Alias, sungas e me pegarem com a janela do carro aberta no meio do trânsito. Nunca li Borges. Minha pizza preferida é de presunto com catupiry da Domino's na terça, exclusivamente. Não estou bronzeado. Entro com frequência no meu email. Quase morri quando desvirei vegetariano. Operei a garganta e ainda sinto os pontos. Quando escrevo mensagens sempre começo com Olá e termino com até mais. Quase tudo que escrevo é mentira ou Literatura.

Até mais ver,

Filipe um dia antes de completar 20 anos.

terça-feira, 9 de março de 2010

Carta de Rompimento

Querida Sophie, 18/09/1996

Eu sei que você nem existe, mas nem por isso acabar tudo entre nós se torna mais fácil. Queria poder conversar com você, ao invés de lhe escrever. Para dizer tudo que tenho guardado durante esses tempos não sei onde te procurar, me parece que você se esconde. Que sempre se esconde. É triste reconhecer o fim que com clareza se mostra, principalmente dessa maneira abrupta. Nada nos falamos, à muito não nos vemos, nem me lembro a última vez que nos encontramos.

Namorar uma mulher assim como você sempre foi para mim um grande problema. As constantes galhofas dos amigos solteiros, nunca entenderam o compremetimento e a entrega que tivemos um com o outro. Os interminavéis momentos em que me pegava pensando em nós dois, a solidão. Não estou acostumado com isso, sabe-se que era inconcebivel anteriormente chorar por mulher. Aconteceu com você, por você. E ti? Fingia que não me conhecia, nunca pois os pés lá em casa, nunca fomos a um restaurante, e o que fissemos de nós? Nada. Você nunca nem existiu! Um relacionamento impossível.

Não tento me eximir de toda essa culpa jogando-a para cima de você, afinal, esqueci daquela vez a cor dos seus olhos, mas por que essas perguntas bobas? nunca que ligava, mas não sabia seu número, nunca soube, afinal você tinha celular? tinha telefone em casa? tinha casa? Daquela vez nos desencontramos no aniversário de namoro, eu num lugar, você no outro... Imbecis. Até hoje tenho certeza de ter marcado no Antonio's, às 19. Certeza. De qualquer forma, não vem ao caso. Esqueçamos.

O nosso sexo era impessável, você com a cabeça em outros lugares, aérea, nunca esteve lá. Faltava presença, faltava corpo. Você, um mulherão, omissa. O tédio nos dominou, tivemos a crise da nudez. Maldita hora em que eu concordei com o trato. Devia ter insistido, te tacado na cama, feito a força e gosado o quase estupro. Mas não fiz. Fraquejei, consenti. Consenti que seria só sentimento, que nosso sexo não dava certo e que teriamos um relacionamento etéreo, sublime, passional. Só sentimento, e daí foi do só ao pó. A partir de então nunca mais nos vimos pelados. Não era difícil dar no que deu... Mas juro que depois daquilo nunca mais vi Joanne. Eu sei, não estou aqui para amenizar minhas falhas. Elas ocorreram, ponto. Sou fraco, sou carne e queria carne. Desculpe se não me satisfiz com uma mulher de vento. Perdão a força da expressão. Desconsidere.

Assumo que não dá mais para continuar, sinto-me perdido nesta minha decisão. Não sei como você deve estar pensando tudo isso, mas talvez seria legal para nós que visse pela minha ótica. Continuo falando nós... Agora sou eu, só eu! Levo os momentos que tivemos guardados no peito, apesar de não lembrar de algum, nossas memórias serão significativas para sempre, pequenas ilhas de tranquilidade dentro do caos que foi o nosso relacionamento.

É o fim, acabou entre nós. Tudo o que tivemos permanecerá donde não saiu. Flor que não brotou, milho sem pipoca...

Entretanto, me lembrarei sempre dessa mulher que não existiu e que ainda me marcou tanto.

Cuide de você.

X

J.J. Rabecolles.

terça-feira, 2 de março de 2010

Carrousel

(*Antes de se ler o autor obriga certa imposição, a saber: para se ler ouvindo 'Elephant Gun' do 'Beirut'. Isso não é um texto, quem sabe uma obra plástica? http://www.youtube.com/watch?v=bYmaGvexazI )

Mundo gira, gira ele, gira eu. Eu no meu cavalinho, você no seu.

Corria desesperadamente até você, eterna corrida. Estática, porém giravamos. Você parada na minha frente e eu girando, perseguindo. Vindo logo atrás a música. Giravamos nós, girava a música. Loucamente. Seus cabelos cachinhos pretos, balançando, e seu cavalinho galopava. Um mar em ressaca, negro, à chacoalhadas. Capitu. Você era a minha Capitolina.

Pequenas e sutis olhadas para trás. Olhar de cigana obliqua e dissimulada. Vendo o seu perseguidor. Olhos se cruzando e o caminho, não. Olhos negros. Te cercando, esperando, correndo. Eu pronto para dar o bote, mas o cavalinho, tão lerdinho. Nem chegava perto, mas também não se afastava. Tântalo. Eu era seu Tântalo.

Tão perto e, ainda assim, tão longe.

No entanto, meu cavalinho não perdia o pique e nem eu minha esperança. E você, tão maldosa, me nutrindo um sonho doce, uma roda viva, sempre a olhar. Maldição! Nem havia me percebido, mas esse paspalho aqui do lado corre também atrás dela. Dentuço, ainda bem que o pangarezinho dele não corre muito. Agora eramos dois perseguidores, eramos antes também, mas só me dera conta dele por agora. Por que por de trás dessas lindas meninas de saias rodadas sempre alguém cavalga? Por que sempre alguém cavalga? Por que alguém? Por que sempre? Por que cavalga? Mas eu bem que sabia o porquê da saia rodada. Porque linda.

Forças incomensuráveis no açoite ao lombo duro do pobrecoitado e ele, impassível. Nem relinchava, o mudo. Derramam água sanitária na música, ela alvejava. Vai baixando e o cavalinho cansando. Sorte, o dela também. Dessa vez eu pego. Pego o que? Percebo que correr é que é fácil, difícil mesmo é pegar. Mas pegar o que? A música quase surda, imperceptivel. Chegando lá, vou e pego tudo, isso sim. Corri para não pegar? E os cavalinhos param. Pego tudo. Ela desce, a saia faz o som de frufru, e o paspalho corre para um sorveteiro, paspalho. Pego o que? O paspalho foi e pegou pelo menos um sorvete, e eu, pego o que? Ela parada ao lado do cavalo exausto, olhando para mim. Será que ela quer que eu pegue?

Nem todos os sorvetes do mundo me encheriam o vazio do estomago angústiado que eu tinha ao andar na sua direção. Ela olhando. Que profundeza num olhar. Percebia as bochechas róseas de certa graça embaraçada, isso mesmo, ela quer que eu pegue. Mas o que? De que jeito? Desejei ouvir a música alegre que tocava, pelo menos ela me enchia de algo que não desse vazio apertado. Quem me dera estar no cavalinho, só correndo. Mais fácil. Comunhão dos atros, encontro das órbitas, eclipse das faces. Bem de pertinho. Que cheiro gostoso que ela tem.

Ninguém nada fala, não. Um sorriso me é aberto, eu retribuo bem envergonhado. É para pegar, fato! Pego, ou não? Aquilo ou isso? Me decido em pegar, na verdade estava decidido desde o arreio do cavalinho mas agora enrolava que era por medo de não saber bem o que pegar...

Bom, por final basta saber que no meu primeiro passeio de carrousel eu acabei pegando mesmo foi a mão dela. Sai triunfal, esnobando o próposito alcançado para o paspalhudo que só tinha pego o sorvete.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

O Orador.

O hábito faz o monge. No caso, fizeram-as velhas, feias, arremesaram os bons tempos de suas vidas pela janela abaixo, gastaram tudo do pouco que haviam nascido e agora não possuiam nem a memória de um beijo quente, de uma carícia, de um homem. Solteironas, isso que eram, além de caçadoras de preocupações alheias, mas lá onde mal viviam tinham outro nome: oradoras.

Todo mundo conheçe um grupo desses e todo bairro tem um, mesmo nos mais excomungados, ou sobretudo nesses. Passam a tarde a bocejar o tédio em coral, conversam sobre os últimos casos preocupantíssimos da paróquia e quando esses faltam, as grandes catástrofes mundiais entram em cena, isso tudo com os deliciosos quitudes que só a experiência de uma mulher morna e nunca amada é capaz de cozinhar. Essa estória é delas... ou quase. Fiquemos ao quase por agora.

- Meninas, meninas... Prestem atenção.
Chamavam-se por meninas essas senhoras de sessenta anos para mais, pois mesmo as mais jovens, as de quarenta, já possuiam a catadura de tias-avós. Era a chefe que falava. Chefe, aquela que manda, as outras só seguiam, pois todo grupo de reza tem esse tipo, aquela que se supõe mais santa, mais casta, mais pia, e contráriamente e ainda assim, a mais humilde. Discursava:
- Meninas... O assunto é gravíssimo. Os Pereiras da rua de cima faleceram.
Todas com muito decoro se portam lúgubres, com cera, o contrário de sinceras. Sem cera. Essas com muita cera em suas máscaras, ninguém se importava com a notícia e muito bem passariam sem ela, continuariam com suas caras saltitantes, sorrisos cheios de bolo e conversa pequena.
- OH! Meu Deus! Que Ele os tenha.
Outra lança:
- Temos que encomendar-lhes a alma a Ele...
- Então. O funeral será amanha. Mas hoje vamos nos propor a velar o corpo em terço. Retruca a chefe das oradoras.
Deliberado os pormenores todas se encaminham mais a noite a casa dos recém mortos. Corpos encaixãotados em cima da mesa. Sala transformada em capela. Círios, velas, padre. O Padre. Aquele a quem elas tudo faziam, fazendo para agradá-lo. Falam aos filhos do casal. Pesames, carpem os mortos, tudo do combinado da pauta, ok. Começam a reza, ou melhor aquela da liderança:
- Deus todo poderoso, Senhor dos céus, Pai de todos, perceba o sofrimento dessas almas que agora suplicam em pesar. Traga benção a todos desta sala...
E o coro:
- Sim, Deus!
Punham tanta força na palavra 'deus', talvez por acharem ser sinal de medir-lhes a devoção, que todas as frases eram exclamativas. Deus!
- Deus, Grande, Misericordioso, tende piedade de nós e acolha essas almas que partiram.
- Sim, Deus! Acolha. Todas gritam em fervor.

E assim continuam. O funeral de manso tédio viu crescer a euforia dos palanques politícos. Familiares dos defuntos, embarassados, mas nada faziam ou falavam. Eram dois os filhos deixados, Paulinha, menina franzina de 12, e Jõao Gustavo, já de 18, um homem parrudo de maus hábitos. A pobre crinça e o homem raivoso.

Ela sentia-se abondonada, de choro preso tinha a mente embotada desde o acidente de carro que levou seus pais, ele fulo da vida, tinha acabado de acabar a escola, largado na penura, nem um tostão os pais lhe deixaram. Antevendo a miséria, ou pior, o trabalho, enxovalhava a todos, os país mortos, a irmã pequena e seu peso, o padre idiota e principalmente aquelas senhoras que nunca nem tinha visto na vida e que tinha entrado e agora gritavam a deus. Deus, aquele idiota! Se passa aqui pulo na garganta dele. Mas se bem que se me arranjasse um modo de só farrear, bem que pagava umas 10.000 aves-maria. Não pedia a ressureição dos pais, só pedia um jeito de continuar na vida boa, ser malandro para sempre.

Ele tinha problemas com Deus, acreditou nele e no papai noel na infância, tomou um susto descobrindo a farsa do bom velhinho e se estrepou nas promesas que fazia ao Senhor. Queria um pirulito, prometia 5 aves-marias. Ganhava, não pagava a dívida. Queria não reprovar de ano na escola , prometia 100. Passava e não pagava. Quis um video-game, foram 500 não pagas. Rolou a bola de neve. Quando quis um beijo de Joana chegou a 2000 aves-maria , 1000 padres nosso e aos 15 anos. Beijou, e pergunte se pagou? Fez primeira comunhão e no momento de confessar ao padre pela primeira vez teve a ingenuidade de declarar o débito em aberto. O padre exigiu as corretas retratações. Julgou-se brando, honesto, nem cobrara o juro da dívida. Somente quis ver a pendência completamente quitada. Fingiu que pagou, comungou e nunca que apareceu de novo na Igreja. Medo bravo do Padre descobrir o embrulho.

Depois de muita reza longa, muito choro inútil, a noite foi-se por final e o funeral morreu na manhã seguinte. O grupo de reza foi comiciar em outras freguesias junto do Padre, os outros parentes, de olhos fundos, despediram-se, e sobraram os dois irmãos. A menina foi para a casa da tia. Ele sumiu.

Apareceu na roda de poker na mesma noite. Como se ninguém soubesse da morte dos país de Jõao Gustavo a noite procedeu-se, afinal ele estava lá e procurava jogo. E lá nunca que fora João Gustavo, nem só Jõao, nem muito menos Gustavo. Era o 'Carne Frita'. Famoso jogador. Não só por sua sorte, era rara noite em que não ganhava uns trocados, mas também pela experiência de raposa treinada, desse a oportunidade ele engaubelava todo mundo em um engodo. Era mestre em lidar com as cartas. Se ninguém percebesse podia distribuir qualquer jogo para os parceiros, e o melhor, para si também. Não foi uma só vez em que deu de generosidade aberta um four para um presente na mesa, o problema é que os parceiros, afoitos, apostam até as cuecas e os dentes da cara e não vêem que ele sempre tem um strait flush para a quebra. Sobrevivia como malandro das miudezas que ganhava na trampolinagem.

Sala grande horrenda, mesas de feltro verde iluminadas por lâmpadas dependuradas somente pelo fio, baratas passeando e restos de comida espalhados no chão. Muitos presentes. Oito mesas ao todo. Quase setenta concorrentes ao montante, grana, bufufa. Com a morte dos velhos tinha se esquecido do campeonato de hoje. Prêmio enorme. Dava para se virar muito tempo na vadiagem, quem sabe até não re-investiria e quadruplicaria com o tempo a bolada hoje em jogo. As regras explicadas, os campeões de cada mesa se encontrariam em um final para a disputa do prêmio. O jogo começará em uma hora. Boa sorte senhores. O problema, a entrada custava mil reais. Onde é que arranjaria mil reais a essa hora? E aonde? Lembra do lugar em que virara a noite anterior.

Ainda bem que fiz a limpa. Despeja os espólios na mesa do gerente, concedem o crédito e adentra na competição. Tinha vinte minutos de lambuja, pede uma caninha. Tragada curta e que incendeia. Anima os animos. Pede mais uma, e ela vem incendiando. Corpo de bombeiros aparece, lembranças da competição, sabe que precisará de todas as forças de concentração para o jogo, resolve que essa teria sido a última mas toma outras duas.

Cartas na mesa. Charutos ascesos. Começa o jogo. Pinguços de pinga pingam o pingo. E o tempo pinga noite adentro. Carne Frita. Frita os miolos no pensar. Aposta. Perde. Recupera. Blefa. Mete medo. Ganha. Baralhos a trocar de mão. Hesita. Cai fora. Vê um a um os oponentes perderem o leite das crinças e a pinga dos seus. Dinheiro se ganha na mesa e é na para a mesa que ele vai. Afora com bebidas, Carne Frita sempre chora ao pagar a vida com o dinheiro chorado do poker. Campeão da mesa, vai para a final, pensou. E campeão da mesa se tornou e para a mesa final foi.

Mesa final, prêmio de cinquenta mil. Aimeudeusminhanossasinhora! Cinquenta mil é bocada. Tenho que ganhar, nem que tiver que roubar. Na noite não houvera momento propicio para o roubo. Quando as cartas estavam na sua mão a fama lhe jogavam os olhos atentos em cima. Distribuia-as sempre sacanagem, na limpa, na vera. Jogou como nunca, sem trampa. E ainda conseguiu para na mesa final, e agora não estava se dando nada mal. A sorte lhe sorria com boca aberta e um sem mar de dentes faltosos. De oito a quatro, quatro fora e quatro dentro. Dos dentro Carne Frita e outros três. Dos fora uns três qualquer mais Zé Bedeira. Perdera em uma mão infantil, apostou as calças e as chupetas do filho encomendado para o ano seguinte quando viu completo o seu flush de copas, perdeu para um full house maldito e imprevisto. Voltou de cueca e com a visão do futuro filho chupando o dedo.

Recebe uma carta. Ás negro. Outra. Valete negro. Mais uma. Dama Vermelha. Espera as outras duas e vê em seguida Dama negra e dez negro. Que incrível coincidência, das cinco cartas possuia três de espadas, o ás pontudo espetado, o valete de faca e a dama de adaga. Pedida para Royal. Tenho um par de damas, também... e ainda uma pedida para sequência. Jogo largo, grande. Que fazer, que fazer? Um qualquer, antes da pedida, no meio do pensamento de Carne Frita, grita All in. Não tinha muito, mas nessa altura do jogo qualquer pouco era alguns milhares de reais. Esse aí está de pé cheio, com carregamento de açúcar no lombo do burro. Ainda bem que isso aqui não é truco. Revidava seis era agorinha. Todos pagam a entreda sem titubear, sentia-se que era essa a mão derradeira. Depois disso sem mais jogo, o vencedor com tudo, com todas as batatas e os outros malandros famintos, sem pinga e com os filhos a chorem a chupeta.

Na mesa, Carne frita, e em sentido horário: o safado do all in, o blefador que se acha esperto e aquele último que dealava as cartas. Quem pede primeiro? O Safado do all in. Todos olham para ele. Atentos, espiavam ver qualquer sinal de jogo ou a falta dele. Espera-se a pedida de cartas e lá vem ela:
- Não quero nenhuma.

VIADO. Tá de blefe. Certeza. Vá roubar no mato, pé de pato. Vez do blefador nato. Momentos de atenção, todos os olhos. Esse pede:

- Duas, faz favor.

Duas cartas vão, duas cartas voltam. Esse ai está de trinca. Foi pro four. Batata. Vez do dealer. Anuncia que quer só uma. Maroto. Nunca dá para saber de pé aquilo que se pede com uma, mas é pedida para prêmio, disso não se duvida.

- E você, Seu Carne Frita? Quer quantas?

Merda! Sem tempo para pensar, por que nem todo tempo do mundo seria suficiente. Passa-se trinta segundos. Indecisão. Todos observam na esgueira. Esse aí que só pediu uma, tá cheio. Vai vir com tudo. Só tenho um par. Se eu pedir três, faço uma trinca, no duro, four nunca, muito difícil. E para bater esse aí só de trinca, vai dar pé mão. Agora? Vou de sequência ou arrisco o Royal? O blefador pediu duas. Tá de blefe. Sempre. Ou de trinca. Vá saber? O Safado do all in também. Esse é blefe sujo, certo. Vai para o Royal. Mantém a coleção de espadas, vai-se duas cartas outras vem.
Começam as apostas. Carne frita sem coragem de ver as cartas. Safado do all in:

- Quem começa sou eu e já gastei toda banha da janta, agora é com vocês.

Pede mesa e fica para trás. Blefador, aposta pequeno. Malicioso. Dois mil a mais. Pequeno apertivo de aposta para o jogo que com certeza resolve a noite. O distribuidor de cartas, olha as suas, ri de canto de boca... Sinal! Quando ri assim é por que está fingindo euforia de que tem coisa quando na verdade tem é nada. Aposta tudo. Esse tá no papo, não me intimido com joguinho de mente não. Nosso João Gustavo na qualidade de Carne Frita resolve ver seu jogo. Pega as cartas recebidas e embaralha-as com as outras três que sobraram. Vá lá Deus. Me renda. Manda esse Reizinho querido acompanhado das Dez felicidades espetadas. Tinha essa mania, no jogo era crente fervoroso. Deus existia na mesa. Só e tão na mesa, a presença dele era confirmada no veltro verde. E com ele se dava, mas só nos momentos de muita necessidade, como agora. Precisava do jogo. Jogo certo. E onde Ele se mostra com mais evidência em uma mesa? No chorinho. Todas as cartas antes de serem vistas, são carta alguma, são carta nenhuma e portanto são carta qualquer. A carta que está mão de um jogador é aleatória antes de vista, e com certa graça elas todas se transformam entre si. Brincadeira boba de baralho. O ás antes de visto, era um oito ao passar na mão do dealer, ao cair na mesa foi um seis, dez quando se a pegou. Se transformam pela última vez logo antes de se exibir mas depois, são certas, selam o seu destino e o do jogador e pronto. Coisa de Deus, divino.

Embaralhou as cartas e armou seu típico montinho. Todas cartas em cima da primeira. Levantou a pilha. Viu a primeira, um rei de espadas. Coração Gelado. Mão tremendo impercepitivelmente. Deus, Deus. Foi ele. Começou a chorar as outras cartas. Sabia que iria encontrar a Dama, o Valete e o Ás. Puxou a última carta do monte bem devagarzinho, na tristeza saltitante de quem quer encontrar um dez amigo porém no medo grande de topar com um nove idiota ou um seis lazarento. A carta vai subindo... E subindo vai mostrando a margem branca e uma pontinha preta em V de cabeça para baixo. Vê-se bem a pontinha do ás preto. Ás é carta feliz para o choro. Mostra-se fácil, sem confusão, sem engano.

Os parceiros apreciando a cena tão comum do jogo. O choro de cartas é a emoção maior para um jogador de poker, todos jogam que é para chorar. Nada substitui a emoção de se arrumar o montinho, cartas conhecidas e desconhecidas embaralhadas. Ordem em desordem. Quem sabe a sequência de cartas que virá no choro? Quando em vez uma desconhecida salta logo de primeira, a carta que fica na boca do montinho. Azar, acaba-se com a graça do choro. Muito melhor teria sido ela ter ficado no meio, resgardando a sua identidade anônima detrás das outras. Exaltação maior do que ver uma a uma as cartas serem abertas no costumeiro movimento. Escorregando-as devaguarzinho, com todo tempo do mundo, até desvelarem com sua nudez explícita o topo da carta. Algumas são inconfundiveis como o ás e o rei. O ás mostra a pontinha do A, o rei os dois pauzinhos superiores do K. Outras são incognitas no meio da multidão. Como diferenciar um nove, de um oito, de um seis ou uma dama ainda? Na alegria de jogador, com prolongamento do choro, ora essa? Puxa-se mais um pouco a carta até ela se mostrar indubtavelmente.

Nosso personagem continua o choro. Topou com o rei na boca do monte, passou pelo ás, encontrou a dama, e viu o valete. Sobrou a última. Essa última. Selaria o desfecho da noite. Tomou coragem e sem ver a carta pagou a aposta daquele dealer sem jogo e sobrou uns trocados, 6 mil. Resolveu guardar para ver as contra-apostas.

Passa-se pelo Safado. Re-vez do Blefador. Esse paga o segundo all in da rodada e mete seis mil a mais. Justamente o que tinha contado como a reserva do Carne frita. Estava ganancioso. Queria tudo de todos. O Safado do primeiro all in só olhava, julgava vitoria na certa do Blefador.

Que fazer? Esse corno, que sempre blefa, esta agora no de sempre. Blefando. Ainda sem ver a última carta. Aposta os seis mil. Coragem audacioso de quem crê em sua fé. Deus era um ordinário no modo geral, mas ali era o todo poderoso protegedor dos choradores. Hora de mostrar a mão. Blefador faz mistério, era ele quem deveria abrir primeiro. Hora final do teste da fé. Carne frita se resolve abrir a última carta. Se me vira um dez, o dez de espadas eu juro por ti meu Senhor que rezo 10.000 aves-marias e 10.000 pais nossos. Está valendo.

Começa o choro, quase pranto, da última carta inconhecida em trânsito de emconhecimento. Aparece a margem branca da carta. Blefador arria o jogo, o choro é suspenso. Four de dez. Dez de copas, dez de ouros, dez de paus... Dez de espada. MERDA! Se o dez está lá não está aqui. Viado! Blefador de araque. O dealer admite derrota e o Safado também. Carne frita revoltado, puto, joga as cartas na mesa e mostra o quase Royal Straight Flush. Todos se impressionam. Gritos, correria. Silêncio. Todos percebem o exdruxulo da situação. Impressionado olha ao redor. Olha a mesa. Vê que a carta não chorada até o fim é um dez de espada. Choque. Dois dez de espadas. Um no four do Blefador outro no seu Royal. Grita:

- LADRÃO. Trampeiro duma figa. Filho da puta. Que porra é essa de four de dez?

Gritaria. Quebra pau. Porrada estoura no lugar. E não é que Carne Frita fez o Royal? Falta saber se dessa vez ele paga as 20.000 em dívida com seu Deus particular, aquele que fez o milagre da múltiplicação dos Dez.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Por que sempre queremos que algo aconteça?

- Ei, você. Vem cá.
- Quem? Eu?
- Vem cá moleque.
Pernas finas de ráquitico na agilididade de vassoura piaçava correndo o chão.
- Está vendo isso aqui? Então, leva esse pacote para mim lá na rua do Boqueirão, detrás da Igreja. Você conhece o Jota, né? Vai lá e leva isso para ele. Mas tem que ser já.
- Ué, o Jota não viaja?
- Escuta o que estou lhe dizendo, essa história de viagem é tudo areia nos olhos dos outros. Enganação. Ele está mesmo é esperando que alguem leve isso para ele.
- Que vá você então...
- Eu não posso, dou muito na vista. Para entregar isso daí tem que ser andando, não pode pegar o onibus não!
Falou ainda para sair fora da rota dos guardas e não espiar nunca, em qualquer hipotese o dentro do embrulho. Saca duas de dois e entrega na mão do pretinho.
- Corre. Vai que quando chegar lá é so esperar o Jota aparecer.
- Mas é longe!
- Chispa.
- Está frio.
Mais uma de dois na mão. Foi-se.
Caminho longo. O pequeno olha o rélogio dentro do bar. Meia noite. Passa a conversar com o nada. Mania de sempre. Mania de sempre mas muito bem escondida. Não gosta de levar troça dos outros.
- Cacete, já é tarde ainda vou levar umas duas horas para fazer o percurso.
Frio.
- Que tal se eu não parasse para um chocolate quente. Tenho grana. Mas não posso, o moço falou que era urgente. Falou?
E vai seguindo no passo cumprido de perna pequena. Passa os bares, vê os bêbados de costume da região. Decide-se pelo chocolate. Enfia a mão no bolso. Alguém pode ver. Entra no bar, dinheiro na mão, pergunta:
- Moço, tem chocolate quente?
- Menino, isso é bar, vai lá ter chocolate quente.
Mas a mulher do dono aparece e com ela logo depois o chocolate. Ela nem que cobra. E o menino volta a marcha.
- Mamãe falou no video-game. Video-game. Falou que no final do ano eu tinha um... Juninho tem, por que também não posso? Do natal não passa.
Falando o passo esmorece. Lembra do pacote em baixo do braço. Que terá dentro dele? Sente uma gota. Outra. E outra. E ainda mais outra. A chuva cai. Ele sem saber para onde ir continua o trajeto. A chuva aperta. Ele entra de baixo de uma marquise. Olha o pacote e vê pelo papel molhado, fino, agora fosco: Nintendo.
- Ai meu deus! É um video-game.
Olha para um lado. Pro outro também. A chuva para, pancadinha de verão. Abro ou não abro? Resolve e abre. Não é video-game.
- Onde já se viu, é caixa de video-game é vontade de video-game mas não é video-game.
Video-game. Video-game. Tudo que passa na cabeça do menino. Tudo que ele conversa consigo próprio diariamente. Aperta o passo. Um guarda corta a rua. O passo para. E agora, o que eu faço? Abaixa a cabeça e continua.
- Se ele ver o que eu levo?
Ai meu deus, nem pensar. Continua. Embrulho embaixo do braço. Anda muito, anda tudo. Quase tudo. Vontade de urinar.
- Já estou cheg...
Passa por uma mulher e inconscientemente diminui o volume, esquece a vontade e o fim da frase. Meia frase falada, de conversa de louco, se perde no nada. Por aqui tem muitas dessa mulheres. Estranhas. Muito frio e ainda muita saia curta, muita camisa curta. Sem mulher, volta o monológo.
- Sei não. Estranho.
Calcula que já seja umas duas horas da manha. Na verdade foram vinte minutos.
- É aqui.
Um grande pátio, pátio desses de detrás de igreja.
Ninguém em vista. Nem ninguém nem Jota, senão a galinha. O pretinho chega, ela para de ciscar e ouve bem. Quebra o pescoço e observa o pretinho vindo. Não que seja medo, pois não é medo que sente, mas sim aquela incrivel fixação de fuga que só as rés possuem diante de um perigo inofensivo. Anda duas pernadinhas de galinha para longe. O moleque vindo. Instinto de escape. Patas presas. Será que ele muda a rota? Pois assim cisca ainda, senão corre. Moleque para. Galinha, esquecendo a lógica que nunca teve, parte em disparada. Cantando o canto de desespero de galinha vai-se embora. Ele fica sozinho. Mas que vontade de mijar.

Nada de Jota. Por que fui vir? Agora vou ter que esperar ele aparecer, tudo por seis reais, fossem ainda dez.
- Frio.
Um, dois, cinco, dez, meia hora, uma completa. Menino ainda esperando. Vontade de mijar. Não posso sair daqui. Vai que ele aparece? Não me vendo vai se embora e aí eu é que fico esperando que nem idiota alguém que nem vem mais. Xixi. Eu fico. Afinal, onde eu vou mijar agora? Atrás de Igreja é pecado, vou ter que sair daqui. Não. Se ele aparece? Mais dez minutos.
- Ai cacete!
A galinha se assanhando reaparece. Finge que vem, e não vem, finge de novo, para para pensar, titubeia, se aproxima. Cisca daqui, cisca de lá. Que vontade de mijar.

Corre em disparada para os fundos do terreno, chega ao murro, arria as calças e termina o conto.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Estória de dúzia

Mamãe era parideira, dessas que chocam bem, bem e rápido, de modo que me teve assim como meus outros irmãozinhos. Ao todo, doze. Doze pintinhos. Vou contar nossas vidas.

Meu primeiro irmão. Estava no começo de vida, em formação, mamãe era inexperiente, marinheira de primeira viagem. Não sabia como é que tinha de chocar o Antunes, isso mesmo, o primogênito tinha até nome. Só bem depois de seu destino é que a mãe resolveu que isso tudo de nome dava azar, os próximos eram chamados pela ordem dos números de nascença mesmo. Antunes no frio das noites pegou uma gripe e acabou cozido junto da sopa do bicho grande que entra no nosso mundo de cerca e leva alguns tipo Antunes, dizem até que já levara alguns tipo mamãe.

O segundo, chamado Segundo. Nasceu amarelinho, qual gema de ovo, felizmente não virou uma qual o Antunes. Segundo era um curisco, não dava um segundo e mãe já o perdia de vista. Foi numa dessas, ainda menino, que a raposa, intrometida com os braços para dentro do nosso espaço, catou ele.

Terceiro. Esse nasceu vesgo. Vocês já viram pinto de óculos? Então, nunca que enxergou nada direito. Ou melhor o direito se adentrava para as áreas do esquerdo e tudo que via estava era trocado. Quis virar galo de briga, seu ídolo era Diabo Vermelho, o galão das garras grandes, sem um olho e portanto já aposentado. Diziam as outras galinacéas que o bicho grande não tinha cozido ele também pois o tinha em grande estima, tinham sido parceiros de luta ou coisa assim. O bicho grande era medroso, diziam, quem brigava mesmo era o Diabo, o outro ficava por detras das madeiras, mexendos as asas sem pena e coricócando como se fosse manhã sempre. Na sua última luta era que tinha perdido o olho, ganhou mesmo assim. Virou lenda. Terceiro entrou para escola, bicho grande pois ele com os outros de briga para aprender, acabou morto sem se formar e sem o bicho grande saber que ele era vesgo de criança. Uma pena. Literalmente, foi o que sobrou.

Esse aqui foi uma desgraça. Ninguém que toca no assunto, seu nome é proibido até hoje. O pinto nascido após o Terceiro e antes de Tião, o Quinto passou a se chamar Tião depois da estória dele, a saber, então esse pinto do meio dos dois era da pá-virada. Comia uns milho véio, achando no fundo das nossas cercas, e ficava doidão. Mamãe ficava que não podia. Ter filho viciado. Considerava-o morto e não se dava mais por ele. Um belo dia acordou com as formigas todas na boca. Sinal de que o milho tinha ficado véio demais.

Tião. Tião fora o único depois de Antunes a escapar da sina dos números. Tinha personalidade, ciscava de jeito único, que só ele. Acabou virando astro, celebridade, filmaram ele para um tal de comercial. Levaram ele daqui, ou melhor um bicho grande com nome de Tião na lapela, bicho grande e negro, veio, pos na caixa e foi-se embora.

Sexto. Escritor. Formou-se nas letras aprendeu tudo que é piado difente e língua de homem. Pela fama que alcançou ficou famoso nos muitos galinheiros perto daqui. Foi ele que criou as expressões que nós pintinhos, galinhas e aves em geral usam: galinheiro virou, mundo da cerca, homem, bicho grande, caminhoneiro, Tião. Por ai vai. Para saber mais busque no google, Antologia literária de Sexto Pinto. Afinal somos galinhas e não burros, temos internet e falamos que nem gente. Pelo menos nesse conto.

O sétimo chamou-se Setimo. Isso mesmo, sem ascento. Ligado ao mundo das artes, dizia que o nome era coisa importante e representava seu canal de individualidade artística. Virou o Van Gogh das galinhas, cortou o bico num ascesso de loucura e morreu de fome logo após. Não conseguia ciscar.

Oitavo. Esse é ótimo. Dele nunca viram, mas sabe-se essa anedota. Perdera a perna num acidente de arame, e subistituiram-na por um forfóro. Ciscou, explodiu. Trágedia de um viés cômico impensável.

Nono. Pinto mais sem graça. Nasceu, quebrou a casca, piscou, ciscou, comeu. Amou galinha de angola e se partiu com ela, voltou dia desses com uma filharada horrenda de grande para a visita. Haja milho para todo mundo. Por aqui é que não ficou, partiu com os filhos para o galinheiro, ou mundo de cercas, para lá do bando dos chiqueiros. Se arrasou. Mora hoje num pardieiro que fede a porcos. Tem sua mulher com as pernas cheias de varizes, as penas puidas e o peito chôcho. De uma infelicidade cotidiana.

Décimo. Nasceu sonhador, vai ver por ser número redondo. Tinha ascesso de grandeza. Megalogâmico desde pintinho, achava-se grande, galo de porte. Passou a maior parte de sua juventude a contar mentiras, mitômano. Foi imperador de reinos pós pasto que ninguém sabia onde, foi general de extrema importância nas guerras que só ele mesmo conhecia, mesías de profecias últimas sempre não realizadas. Coitado, mal lembrava ele que nunca tinha saído dos arames que nos cercavam e mais ainda que todos sim. Contador de lorotas, deu-se bem com os papagaios que visitavam-nos. Trocava milho de refeição por estórias novas. Isso tudo no discaramento de inocente que não era.

O último antes de mim. Aprendeu a voar. Mas pinto não voa, né? Mas esse aí sim. nasceu preto, peito forte, bico adunco, comeu alguns filhotes das amigas de mamãe antes de se partir voando. Porque tinha moral suficiente para impedir o fraticídio, e teto de menos para evitar a fuga. Ninguém que nunca teve coragem de confessar para a minha velha que tinha chocado um corvo em vez de filho.

Doze. Prazer, me chamo Doze. Doze é a única coisa que tenho, não por merecimento mas por antecedente, por costume. Doze que fecha a dúzia, de filhos e de contos. Vinte quatro no total, ou melhor, vinte e três, pois eu sou filho mas não conto nada. Sou pinto formado, mas estou no ovo. Durante tempo demais. A vida da minha família me foi contada durante a choca, mamãe não parava de falar, mas senta quente com muito gosto. Acabo que sou o único sem vida, sem conto, sem estória e acabo. Não consegui rachar a casca que me separa do mundo lá de fora. Hoje sou condenado a ser um ovo podre. Um potencial de tudo, para tudo. Podia ter excedido meus irmãos e ter vagado a solo pelo mundo, podia ter sido o manda-chuva do cercadinho, podia ter comido de tudo e parado na ceia de natal, podia ter virado metáfora, estrela no céu, ou desenho de criança. Podia ter sido tudo e mais um pouco mas fiquei aqui dentro, pior do que a galinha que fica para titia já que a mesma ainda tem um destino. Eu, não. Nasci já sepultado, dentro da casca do ovo. Ovo, proteção, pretensamente. Fui sufocado pelo carinho excessivo da bunda quente de minha mãe e não vinguei. Qual que é a estória e a história de um ovo que não vingou? Nenhuma, nem para omelete que serve.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

A menina que cheirava tudo e o menino que não via nada.

(Findas as desnecessariedades de autoexplicação, passo agora a minha arte, já que agora eu, O Autor, escrevo tanto desengajadamente e com tamanha leveza quanto aquelas que me fizeram famoso e reconhecido mundialmente no circuito literário. É interessante saber que ninguem nunca perguntou-me o nome, meu nome. Sou famoso mas meu nome quem sabe?, sou reconhecido mas nunca vocativo... Onde já se viu? Bom, vamos ao conto.)

Contraposição. Uma do tudo, outro do nada, esse mesmo, dos não olhos e aquela outra do nariz. Uma via, outro não, aquela mesma uma cheirava e esse outro mesmo não. O do nada, menino, o do tudo, menina. Duas crianças. Vieram não se sabe donde ou como e assim se foram de mesma forma, mas sabe-se que conversavam a beira-mar e foi mais ou menos assim.

- Eca! Que cheiro de eca.
- Como assim? Eca não é cheiro.
- É sim, tem cheiro de eca.
- Eca é grito que mamãe dá quando me vê com o dedo no nariz, bem assim ó...
E enfia o dedo no nariz. Ela grita:
- Eca! Que nojo.
- Isso mesmo, igualzinho ao que ela faz.
Agora sem o dedo atochado, se duvida e pergunta:
- Que cheiro tinha a sua outra eca?
- Tinha cheiro de menino que vai por o dedo no nariz.
- Mas como, se eu nem tinha posto?
- Era igual.

Os dois permaneceram mudos, a conversa esmoleceu. O menino com vergonha do dedo que frequentou onde não devia, ela sentindo a sinfônia de cheiros do mar. Porque mar não era palavra, nem azul, era cheiro. Da mesma forma era o pai, não era ronco nem chapeu com cachimbo, era cheiro. O cachorro, não era festa nem rinite, era cheiro, e quê cheiro. O silêncio das ondas só foi interropido com a deixa:

- Quando é que foi que você passou ver tudo de nada?
- Eu é que não me lembro de nunca ter visto assim como gente que vê. Meu pai me diz assim desde pequeno: "Menino, quando você nasceu Seu Doutô Médico disse que seu Pá era um homem de muita sorte. Ele disse que você enxergava que nem Monet pintava, e que nada podia acontecer para ser doutro modo."...

O homem pai, chucro, não entendendo nada, mas ouvindo o nome Monet, nome de famoso, talvez francês mas com certeza pintor, Monet, que ouvia de quando em quando na tv, ouvia, porque também não via nada direito, achou que o filho tava era predestinado a genialidade. Desde então é que dizia para todos os vizinhos que davam trela que seu filho já via como o gênio Monet e que só faltava era o menino ter idade de grande para poder pintar de tudo que via no couro do quadro.

-... Sabe como é, vejo tudo diferente assim desse jeito como você sente esses cheiros doidos.
- Cheiro não é doido, não. Já até senti cheiro de doido uma vez, meu tio era, sabe? Era cheiro de quarto fechado com pouca luz. Juro por Deus! E os cheiros que sinto não são doidos assim pois se fossem, eles é que cheiravam igual meu tio. E seu ver, como é?
- Dum modo meio torto, nada é nada que é. Tá vendo o horizonte? Então, sabe onde o mar acaba e o céu começa? Bom, eu não vejo, para mim horizonte não existe. Mas para ficar aqui no pertinho, o seu cabelo, é negro, preto do tisnado dos carvoeiros, isso eu vejo bem, mas quando caem nos seus olhos pretos não sei mais que que é cabelo que que é olho.
- Não entendi.
- Arrr, você nunca que entende nada. Fala disso tudo aí de cheiro que eu mais finjo, que entendo, e não faz pensar direito nessas bobeira que eu falo. Vou explicar de outro, para e pensa igual que a gente faz na aula de tabuada. Tá vendo aquela árvore ali, lá para as banda do mângue? Então eu sei que as folhas existem por que eu vejo uma a uma no chão depois, mas agora é tudo um grandão verde, como se fosse tudo de um só.
- Ah, entendi.
- Entendeu, é?
- ...
- 'ntendeu é nada. Vou falar de novo, pela última agora. Ouve direito menina. Eu vejo é igual um lápiz, tudo quanto é letra e frase está tudo ali dentro, prontinha para ser escrita, e como não sabe o que eu vou escrever ele é que tem que ter de tudo ali dentro, prontinho, guardado na espera. Acaba por ficar tudo apertadinho, e é por isso que o grafite é preto, é a cor da confusão de todas aquelas letras e palavras que ficam ali dentro, espremidinhas. Eu só não vejo as coisas porque está tudo uma sobre a outra e a outra sobre a uma, num fuzuê só, quem nem no lápiz. Nada tem começo e fim, borda é que não há, tudo se mistura.
Fascinada com a descrição, a menina, diz:
- Seu mundo é que deve de ser legal. Quando você olha para ele nenhum país é que faz fronteira com nínguem, daí você poder ir a canto todos sem passaporte, é ou não é?
- Acho que sim.

Novo silêncio. Novos cheiros, novas vergonhas.

A menina puxa seu cabelo para o nariz e funga-o.
- Gosto tanto do meu cabelo...
- É, eles são bonitos, igual ao pelos do casco de Jurema.
- Jurema?
- Jurema, meu jabuti.
- AH, você se é tão estranho, me acha um jabuti.
- Você até que se parece com um, quando não conheçe alguém não tira a cabeça do seu casquinho que nada, mas depois vai lá e tasca uma mordida no dedo da gente.
- E você que só sabe de chocar as pessoas. Parece que faz de gosto!

Outro silêncio. Sem cheiros, só vergonhas.

Cabelo de novo no nariz. Vaidade ofendida:
- Ei, cheira meu cabelo, vê se tem aroma?
- Já disse que não vejo direito. Vai adiantar de nada não.
- Sim, mas cheira de qualquer.
O menino pega um tufo e leva ao nariz:
- Tem cheiro de nada, falei que não via!
Vaidade outra vez no chão:
- Pois para mim tem cheiro do que é. De preto. Tem sabor de negrume de mato quieto após chuva.
- Pode até ser, mas para mim tem cheiro de sabão de banho.

Mundo surdo-mudo mais outro tanto.

A menina se endireita, move sua cabeça em direção da do menino, para a poucos centímetros. Lábios quase se encostam. Uma fungada. Um cheiro. Um dito. Ela:
- Seu lábio cheira assim como vontade de doce. Sabe quando a gente para na vitrine da doceria e sente na boca o doce doutro lado, só na vontade de entrar e roubar um...?
Pausa, sem silêncio: corrida de corações pulsantes.
- Sei sim como é o cheiro de lábio, o seu é igual.

E o menino que nada tinha em comum com ela, acabou aprendendo como é que é cheirar de tudo.

Fim

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O lenço e Jean-Paul Sartre

Ao lado de Simone e outras sumidades ideológicas, Sartre discurçava brandamente e agradava-se numa tarde amena em um caffe parisiense. Até aí nada de mais, nada de diferente. Estava gripado. Ai meus deus! Seria a do porco? Naquela época não existia. Novamente, tudo ainda permanecia no marasmo cotidiano da vida de algum. Calma, é agora que o que conto começa a valer...

... enfia a mão na algibeira do paletó para alcançar um lenço e o que pipoca lá de dentro é uma lagosta. Falei que ia ficar bom, é ou não é? Assustado atravessa a lagosta pelo salão do caffe e procura realmente o que pretendia no bolso. Volta uma nova lagosta, igual a outra. Dessa vez sem susto algum, conforma-se com os acontecimentos e assoa o nariz na lombada rubra do crustáceo e torna-o no bolso. Afinal, fosse um lenço, fosse uma lagosta, fosse um filósofo, fosso um louco, o nariz escorria e precisava ser assoado, simples assim. Passou a noite e e ainda outro dia usando a lagosta como lenço. Não muitos dias após, perdeu a lagosta. Estava afeiçoado a amiguinha que lhe tinha servido à gripe, ficou triste.

Pouco? Não! Qualquer um outro, teria se internado no primeiro manicômio. Sendo sempre os gênios tanto gênios quanto loucos, não foi o caso. Continuou a vida, passou anos no ciclo das lagostas, até que... O bom das estórias é que elas sempre têm trilhares de até's que's e porém's, viradas bruscas imprevísiveis. Voltando. Até que um belo dia se ia por alguma rua, atrasado para uma palestra quando resolve perdir as horas para um grande Senhor Lagosta de dois metros de altura. Ela vira um de seus dez pulsos, observa atentamente o relógio e lhe responde.

- M. Sartre, il est quatre heurs.

Admirado com o francês impecável da lagostona se parte ao compromisso. Chegando lá, quem estava na primeira fileira, quieta, para ouvir o monólogo? Ela mesmo, o senhor Lagosta. Dá-se o discurso, ao fim todos aplaudem, muito mais a lagosta com todas aquelas mãos. Depois separam-se ambos. Era de se admitir que as lagostas estavam ficando mais frequentes em sua vida, antes eram pequenas, objetos imoveis, não correspondiam, hoje elas são enormes e quem sabe pode-se ainda acabar marcando almoço com uma delas, trocadilhos a parte. Resolveu dar um basta nisso, quis voltar ao real. Se seus olhos lhe engavam, o mesmo não faria o paladar.

Cozinhou uma das lagostas imáginarias que apareciam na casa e teve a certeza de que quando a provasse, imediatamente se transformaria no lenço perdido, no despertador, na escova de dentes ou em qualquer. Preparou a maionese e com cuidado descamou a carne do rabo do bicho inerte, provou-lhe. Surpresa, maior ainda do que se visse a lagosta se metamorfoseando em despertador. Ela possuia uma paladar aprumado e nobre, as carnes tenras e róseas, uma maravilha. Sem saber o que mais fazer, mandou trazer umas dessas lagostas reais que vivem no mar e não falam com gente. Acareou o sabor entre as duas.

Agora valendo uma bala para quem saber qual delas era a melhor? Faça sua escolha.

Com larga vantagem a lagosta imáginaria derrotou a pobre ermitã de vida marinha. Se ganhou eis aqui sua bala sabor lagosta, se não eis aqui sua bala sabor lagosta. Mas era óbvio que a imáginaria seria a melhor, perdão se o senhor leitor perdeu a aposta, acabei te dando a bala imaginária por comiseração. Afinal o fabuloso vem sempre acompanhados de requintes de grandiloquência, preparados intimamente para caber com perfeição nos sonhos da miséria humana. Pense comigo, se Sartre, grande nome do século XX, recusador de Nobeis, tido como o maior filósofo dos tempos, pesquisador da existência, sabedor das ontologias, metafísico, ciente das realidades últimas e primeiras das coisas, se esse mesmo homem, sendo o que foi, não conseguiu se furtar das ilusões lisongeiras, apazigadores das vontades, imagine o que nós, caros mortais, não estamos sujeitos?

As lagostas são então o símbolo do contrato humano com a mentira, com o fabular. Todos nós temos nossos valores assentados no nada, nossos conhecimentos imprecisos. Tudo o que achamos é fruto da nossa imaginação, no casamento com a realidade, somos todos adúlteros. E toda essa conjução de irrealidades prodigiosas é o que chamos burlescamente de vida real. Digo mais, e não é a toa que o francês vesgo achou a lagosta falsa a mais apetitosa. Não é a toa que criamos e cultivamos nossas lagostas, elas trazem sentido, nos apaixona pelo marido musculoso que é um asno, nos dá coragem para morrer pelos nossos ideais ignobilmente patrióticos e acreditar em sem-sentidos como o deus católico e tudo o mais.

Irrealidades fréneticas, mexo com vocês. Irrealidades frémeticas, zuno com vocês. Irrealidades irreais, vivo o real com vocês.

E é por isso que quando acordo dou bom dias as minhas lagostas.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Eu, o Autor.

Caríssimos,
Bem que se perceba. Laos Tag... Lag os Ta... Lagosta. Agora, percebo a confusão de um 'g' mal colocado. Ou melhor mau colocado, pois de próposito, para confundir. Sr. Laos tag nada mais é do que uma das milhares de lagostas dentro de minha cabeça, isso mesmo, lagostas. Tenho-as aos montes.

Diz-se meu adido e ainda por cima trabalha como escrivão na embaixada de Laos. Ha! Tudo mentira, tudo irrealidade, tudo criado na maior meticulosidade de sagaz. Agora não me culpem, não pude e posso fazer, afinal ele é ele e eu sou eu (mais uma do Húngaro Plachta). Ele veio, eu depois, ele escreveu, eu também, ele mente, e quem sabe se eu?

Adento aos dicinários:(Nem Rousseu na sua criatividade de enciclopedista fez ao veránaculo 'eucaristia' o que faço agora com 'lagosta'. Estória boa, depois conto para exercitar a arte.)

Lagosta:
Substântivo concreto - Crustáceo, decápode da família Palinuridae que vai muito bem com limão.

ou

Substântivo inconcreto - Valores imáginarios, as irrealidades prodigiosas. Logo pode-se dizer que lagosta é um substântivo lagosta, fantasioso. Tão ridiculamente irreal como um fantasma vestindo fantasia.

Segue acima o caso explicando.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Eu, Sr. Laos Tag

Venho por meio deste... desculpem-me a formalidade, o ofício de escrivão de embaixada corrói-me a personalidade. Continuando, é por meio deste que me apresento a vois ilustres leitores dele, o Autor. Sei que o que esperam é encontrar os seus magnânimes escritos no entanto devo confessar que por ele vocês hão de esperar mais um tanto. Nada de mais, venho me apresentar e só. Acho que as devidas introduções se fazem necessárias já que tive de escrever no espaço reservado a ele, intromissão já desculpada vocês hão de ver.

Trabalho na repartição da embaixada da grandíssima e notabilíssima República Democrática Popular do Laos, embora a importância descomunal que meu país ocupa nos meios da ordem e política internacional, afinal fomos nós que protagonizamos o durável embargo das bananas de Myamar e ajudamos no fornecimento de papel para o Vietnam sem o qual não seria possível promulgar a nova constituição, sou tão somente escriba. Sou copista, tanto como de profissão como por passatempo por que copista, caros ignaros senhores, é também palavra que significa pessoa que "bebe muitos copos, beberão".

Acontece que durante os intermináveis tragos no bar do Seu Jõao, onde reunimo-nos, eu e meus colegas, me inflamo completamente pela nacionalidade que não possuo e acabo por glosar todas a belezas do sempre grande Laos. Essa volta toda para explicar, por que há entre o meu título de deferência e meu primeiro nome o não comum nome de Laos. Acredito que fui bem claro, afinal o caro leitor só precisa de um pouco de imaginação para supor que durante um dos muitos ascessos patrióticos, um dado amigo tenha proferido:

- Caro Sr. do Laos, acalme-se. Afinal de belezas e glorias já, nós brasileiros, temos muitas.

Obviamente não foi difícil para os amigos bêbados, ou seriam bêbados amigos?, presentes sublimarem o "do" e ter lhes sobrado Sr. Laos. Virei a partir de então Sr. Laos Tag, Tag por nascença e Lao por repetição. Não sei se essa introdução me auxilia no meu propósito, admito-me bebum e não ocupo grande cargo, porém a explicação de meu nome já me é sufuciente tanto para o vosso conhecimento quanto para evitar as vossas possíveis piadas.

Muito gasto de papel a toa, poderia muito bem ter lhes poupado essa peculiaridade de minha vida, apresentando-me: Prazer, chamo-me Sr. Laos Tag. O que já foi, já foi, como dizia o grande filósofo hungaro Brünno Plachta. Com devidas introduções já findas revelo o propósito do escrito,(mas não sem antes alguma enrolação. Pronto, enrolo em quatro períodos e aumento a ansiedade do leitor pela descoberta)

O Autor passa não tão bem como de costume e mandou-me anuciá-lo para breve, dando-me o encargo de revelar que ele mesmo não revela os segredos por de trás do título e imagem a cima. Repito, muito papel para nada, no entanto faço as traças felizes e quem sabe roliças, pois encontrarão aqui o melhor tipo de texto a se roer, a saber, o vão, como assim elas me confessaram.

Da parte do título e do tema geral do blog

Do ato de explicação de seus motivos, o autor se redime por meio deste. Disse-mo que talvez explique, sem data a fixar nem compromissos. Deixa para os seus futuros cinco leitores esta curiosidade.

Ass: Sr. Laos Tag