segunda-feira, 26 de abril de 2010

Carta a uma homem de 40 anos.

Caro Filipe aos 40,

Olá,

Não sei muito bem como começar, mas tudo nessa vida precisa de um começo, e o dessa carta se dá mesmo que na dúvida. Me chamo Filipe Coutinho Pereira e é bem possível que esteja familiarizado com esse nome, não que seja de alguém famoso, pois não é que seja, mas sim da fama que algum obtém de si para si. Sendo ele mesmo, ou você, no caso eu. Sou você à vinte anos passados, hoje tenho vinte anos, mesmo que o hoje não seja hoje. E por que endereço a carta aos seus quarenta? Afinal são seus, não meus. Eu só existo nos vinte. Quem sabe vinte um. Depois vivo, apanho, experimento, cresco, chego ao limite de não me conter mais neste corpo, explodo e não há mais aquele de antes, morro. Dái nasce um outro de vinte e dois para vinte e três totalmente diferente. Mas que também viverá, e também morrerá. Bom assim foi até chegar em você, neste ciclo... Creio que dele você saiba mais do que eu, afinal não minha perspectiva ele é tão somente um porvir.

Dois é um número cabalístico para mim, de fato. As respostas para os problemas de matemática mais difíceis geralmente são dois, todos os números podem ser escritos em somatórios de pontêcias de base dois, dois determina o dual, a antípoda, o maníqueismo, o preto no branco por assim dizer. Além do mais, estabelecemos um diálogo. Dia Logos, duas vozes ou duas razões pensantes. Acretito que você aos quarenta representará simbolicamente o contrário do que sou hoje por ser o meu dual. O meu vinte vezes dois, o avesso do vinte. Acho que ninguém mais interessante nessa vida do que você para se iniciar uma correspondência.

É bem certo que preciso me apresentar apropriadamente, saber que sou o passado de um homem formado não é suficiente, não poderia confiar na sua memória, a minha de jovem já esquece o verso que ontem mesmo ficou impresso na alma. Será que por aí já se existe algum meio de lembra-se de tudo? Se sim, meus pesâmes, a consciência do que se passou é terrível, sou muito mais a imprecisão das lembranças manipuladamente 'acontecidas' pois é nelas que se materializa o não fato. Voltando, tenho a certeza de que a única coisa de que possuímos em comum seja o nosso nome e nem isso é único a nós, lembra-se que no vestibular do falecido dezoito encontramos um homônimo?

Te imagino de certa forma independente quando sei que sou eu mesmo independente, mas com a condição de o ser tão somente quando não estou sozinho. Abro espaço para enunciar um dos paradoxos do 2: Ser independente nas mínimas condições de 2 pessoas, ou o fato de o 1 não se sustentar em mim. Te imagino forte e maduro, quando sou fraco e infantil. Te imagino rico casado com uma linda mulher, pois isso me apetece mesmo sabendo que isso é o segundo nível mais bossal de vida que um sujeito pode levar e sabendo ainda que o primeiro é desejar isso. Te imagino dono de uma riqueza cultural imensa pois isso engrandece meu ego. Te convido a imaginar o homem que existirá aos sessenta. Mais humilde?, mais humano?. Terá família?, Terá histórias de amor?.

Vê-se bem que aquilo que mais me caracteriza hoje é esse certo ar de pretensa erudição com quê de omissa circuspecção. Essa máscara me veêm pegada a cara desde muito já que é por trás dela que escondo copiosamente minhas mais profundas fragilidades. Desde criança fui considerado progiosamente inteligente, aparentemente esforcei-me muito para corroborar com essa caracterização. Hoje só me resta a isso.
Sou de fato inteligente, ou pelo menos nisso acredito em acordo com meus achismos, atenção aos 'ismos' pois neles sou versado e são muitas as teorias que consigo demonstrar para provar que sou especial e único. De fato as minhas filosofias e ciências humanas me servem praticamente para sustentar a farsa do que não sou. Elas são fortes e aguentam todo o peso da minha fragilidade interior. Essas minhas muletas me trouxeram até aqui, sou grato mas tenciono abandoná-las o quanto antes.

"Estou cansado de inteligência, pensar faz mal as emoções." Fernado Pessoa

Sou inseguro com a minha aparência, acho-me feio, repulsível. Espero que você tenha dado um jeito nisso pois eu não fui capaz, espero também que não tenha apelado para plástica mas que tenha se aceitado como é se não for pedir demais. Sou solitário e tenho tendências para me afastar das pessoas que mais gosto e realizar isso neste momento me faz chorar. Um grande problema é que eu sou ótimo para me afastar e horrivel para me re-aproximar. Escondo-me na ilusão de que faço amigos facilmente, irônia do destino. Realmente sou obrigado a buscar outras opções começando laços novamente quando já joguei todos que tive pelo ralo. Ser capaz de rápidas amizades é uma destas teórias de que falei, pelo menos me evita de encarar a realidade da solidão. Muletas de uma manco.

As minhas grandes conquistas foram básicamente duas até o meu presente momento. Aprendi a sentir, hoje sou capaz de divisar meus sentimentos e sentir as dores e alegrias que me cabem. Cada qual sabe a dor e a alegria de ser o que é, e eu aprendi isso. Sou grato aos ensinamentos do dia a dia por tal. Sempre sei distinguir o que as pessoas ao meu redor sentem, mesmo não sendo capaz de fazer muito por isso. Qualquer aproximação do lirismo me emociona profundamente, e as relações humanas pela minha empatia apreendida me move mais do que qualquer coisa.

Consecutivamente, a outra grande conquista foi ter visualizado o mundo como um grande combate, e que devemos aprender a lutar o quanto antes. Creio que demorei e fui passivo por tempo demais na minha vida. Existir é lutar e quem não sabe lutar está morto, viver é em termos provar-se que não morto. Desistir dos obstáculos não é uma opção. Me permito ao fracasso, se realmente for essa a experiencia que eu tiver que passar, só não me permito desistir. Entretanto, devo admitir que nunca ocorreu-me um obstáculo intransponível. Talvez eu arrisque de menos encontrar uma montanha que me faça achar o duro caminho que a circunda pelas beiradas.

Sou mais maduro que a média de minha idade e assumo responsabilidades de um homem em formação apesar de frequentemente me arrepender de assumi-las. Um grandissímo léxico me permite um aporte para entendimentos de pontos de vistas completamente oblíquos e inusitadamente originais. Sempre possuo uma opnião que mesmo bem fundamentada difere de todas as outras em que esbarro, talvez seja essa a forma que encontrei de ser único. Adoro as palavras e apesar de estar me formando em engenharia possuo aspirações de poeta.

Como dizia... Minha palavra preferida é 'perscrutar' que num primeiro encontro se faz de misteriosa de entendimento difícil, mas que depois que perscrutamo-a entendemos com facilidade. Além do mais acho que ela possuiu um sonoridade forte, que marca presença. Sou perscrutador. E como a própria palavra já demonstra aquele curioso que investiga só encontra dor, vide a caixa de Pandora. Um adento, tenho estudado françes e descobri uma palavra muito bonitinha, très mignon, significa populoso mas tem uma sonoridade sublime. 'Peuplé'. Não me pergunte para a ler, ainda tenho dificuldades para pronuncia-la.

Momento sabedoria de Machado de Assis: "O menino é o pai do homem". De fato, se acha que sua vida deu errado você já sabe quem começou isso tudo, fui eu. Eu sou seu pai de certa forma. Acho que fiz até agora um bom trabalho te criando e possuo altas expectativas quanto ao meu futuro, você. Por favor, não me desaponte.

Peço para que me escreva o quanto antes, e que escreva o que estiver na ponta da sua caneta. Só não me conte os acontecimentos históricos ocorridos na nossa separação, prefiro ve-los de primeira mão se desenrolando na minha frente, sou um percrutador afinal.

Por comparações possiveis escrevo banalidades que de certa forma compõem aquilo que sou afora toda a explicação filosofica que você já esta cansado de saber, pois afinal quem a criou foi você um certo tempo a trás, eu. A saber, as últimas que ando sendo:

Não tenho time de futebol. Atualmente uso só All Star. Gosto de ler. Meu escritor favorito é Guimarães Rosa. Faz tempo desde que li meu último livro de filosofia, so ando a ler literatura. Possuo um grupo de amigos fies e presentes. Fui vegetariano a pouco tempo. Me apaixonei. Me diverti muito com meu primeiro carro. Bati meu primeiro carro. Nunca provei caqui. Meu quarto é preto. Faz muito tempo que estou para comprar um mousepad. Visto 42. Fumo cigarrilhas, cachimbos e charutos mas nada de cigarros. Viajarei em breve para a França. Acho que arrotar é falta de educação. Ando curtindo insonmia. Estou terminando a análise. Prefiro cerveja preta. Ando interresado em autismo. Quero convidar uma certa mulher para sair comigo mas não criei coragem ainda. Gosto de jogar Fifa com meus amigos. Meu carro é 2.0 por sinal. Ando falando pouco com minha mãe e muito com meu primo. Tenho três relógios de pulso mas nenhum funciona direito. Ando me liberando artisticamente com a escrita. Descobri que gosto mais de Botafogo do que da Barra. Nunca usei aspirador de pó. Quem faz compras de mercado na minha casa agora sou eu. Gostaria de ter uma camera fotográfica profissional. Não sou fiel aos meus cabeleireiros. Falo: "são uma hora da tarde". Chorei muito vendo "Casa de Areia". Me envergonho de usar sungas. A minha vizinha da frente é loira e mãe. Wander Botelho mora no meu prédio. Cumpadi é meu pai preto, Margareth a mãe loira e Thais a irmã loirinha bombril. Meu quarto está uma zona, livros espalhados por todos os lados. Sempre rio quando ouço: "C'est un bordel chez moi, J'ai besoin d'un femme du ménage". Lembrei da teoria da inveção das cores recentemente, e com isso a teoria do carro de fórmula 1 seco. Gostava de "Jurrasic Park" na infância e continuo até hoje. Tiro meleca quando o trânsito engarrafa e jogo pela janela do carro. Não tenho medo nem vergonha de nada, eu acho. Alias, sungas e me pegarem com a janela do carro aberta no meio do trânsito. Nunca li Borges. Minha pizza preferida é de presunto com catupiry da Domino's na terça, exclusivamente. Não estou bronzeado. Entro com frequência no meu email. Quase morri quando desvirei vegetariano. Operei a garganta e ainda sinto os pontos. Quando escrevo mensagens sempre começo com Olá e termino com até mais. Quase tudo que escrevo é mentira ou Literatura.

Até mais ver,

Filipe um dia antes de completar 20 anos.

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