terça-feira, 9 de março de 2010

Carta de Rompimento

Querida Sophie, 18/09/1996

Eu sei que você nem existe, mas nem por isso acabar tudo entre nós se torna mais fácil. Queria poder conversar com você, ao invés de lhe escrever. Para dizer tudo que tenho guardado durante esses tempos não sei onde te procurar, me parece que você se esconde. Que sempre se esconde. É triste reconhecer o fim que com clareza se mostra, principalmente dessa maneira abrupta. Nada nos falamos, à muito não nos vemos, nem me lembro a última vez que nos encontramos.

Namorar uma mulher assim como você sempre foi para mim um grande problema. As constantes galhofas dos amigos solteiros, nunca entenderam o compremetimento e a entrega que tivemos um com o outro. Os interminavéis momentos em que me pegava pensando em nós dois, a solidão. Não estou acostumado com isso, sabe-se que era inconcebivel anteriormente chorar por mulher. Aconteceu com você, por você. E ti? Fingia que não me conhecia, nunca pois os pés lá em casa, nunca fomos a um restaurante, e o que fissemos de nós? Nada. Você nunca nem existiu! Um relacionamento impossível.

Não tento me eximir de toda essa culpa jogando-a para cima de você, afinal, esqueci daquela vez a cor dos seus olhos, mas por que essas perguntas bobas? nunca que ligava, mas não sabia seu número, nunca soube, afinal você tinha celular? tinha telefone em casa? tinha casa? Daquela vez nos desencontramos no aniversário de namoro, eu num lugar, você no outro... Imbecis. Até hoje tenho certeza de ter marcado no Antonio's, às 19. Certeza. De qualquer forma, não vem ao caso. Esqueçamos.

O nosso sexo era impessável, você com a cabeça em outros lugares, aérea, nunca esteve lá. Faltava presença, faltava corpo. Você, um mulherão, omissa. O tédio nos dominou, tivemos a crise da nudez. Maldita hora em que eu concordei com o trato. Devia ter insistido, te tacado na cama, feito a força e gosado o quase estupro. Mas não fiz. Fraquejei, consenti. Consenti que seria só sentimento, que nosso sexo não dava certo e que teriamos um relacionamento etéreo, sublime, passional. Só sentimento, e daí foi do só ao pó. A partir de então nunca mais nos vimos pelados. Não era difícil dar no que deu... Mas juro que depois daquilo nunca mais vi Joanne. Eu sei, não estou aqui para amenizar minhas falhas. Elas ocorreram, ponto. Sou fraco, sou carne e queria carne. Desculpe se não me satisfiz com uma mulher de vento. Perdão a força da expressão. Desconsidere.

Assumo que não dá mais para continuar, sinto-me perdido nesta minha decisão. Não sei como você deve estar pensando tudo isso, mas talvez seria legal para nós que visse pela minha ótica. Continuo falando nós... Agora sou eu, só eu! Levo os momentos que tivemos guardados no peito, apesar de não lembrar de algum, nossas memórias serão significativas para sempre, pequenas ilhas de tranquilidade dentro do caos que foi o nosso relacionamento.

É o fim, acabou entre nós. Tudo o que tivemos permanecerá donde não saiu. Flor que não brotou, milho sem pipoca...

Entretanto, me lembrarei sempre dessa mulher que não existiu e que ainda me marcou tanto.

Cuide de você.

X

J.J. Rabecolles.

terça-feira, 2 de março de 2010

Carrousel

(*Antes de se ler o autor obriga certa imposição, a saber: para se ler ouvindo 'Elephant Gun' do 'Beirut'. Isso não é um texto, quem sabe uma obra plástica? http://www.youtube.com/watch?v=bYmaGvexazI )

Mundo gira, gira ele, gira eu. Eu no meu cavalinho, você no seu.

Corria desesperadamente até você, eterna corrida. Estática, porém giravamos. Você parada na minha frente e eu girando, perseguindo. Vindo logo atrás a música. Giravamos nós, girava a música. Loucamente. Seus cabelos cachinhos pretos, balançando, e seu cavalinho galopava. Um mar em ressaca, negro, à chacoalhadas. Capitu. Você era a minha Capitolina.

Pequenas e sutis olhadas para trás. Olhar de cigana obliqua e dissimulada. Vendo o seu perseguidor. Olhos se cruzando e o caminho, não. Olhos negros. Te cercando, esperando, correndo. Eu pronto para dar o bote, mas o cavalinho, tão lerdinho. Nem chegava perto, mas também não se afastava. Tântalo. Eu era seu Tântalo.

Tão perto e, ainda assim, tão longe.

No entanto, meu cavalinho não perdia o pique e nem eu minha esperança. E você, tão maldosa, me nutrindo um sonho doce, uma roda viva, sempre a olhar. Maldição! Nem havia me percebido, mas esse paspalho aqui do lado corre também atrás dela. Dentuço, ainda bem que o pangarezinho dele não corre muito. Agora eramos dois perseguidores, eramos antes também, mas só me dera conta dele por agora. Por que por de trás dessas lindas meninas de saias rodadas sempre alguém cavalga? Por que sempre alguém cavalga? Por que alguém? Por que sempre? Por que cavalga? Mas eu bem que sabia o porquê da saia rodada. Porque linda.

Forças incomensuráveis no açoite ao lombo duro do pobrecoitado e ele, impassível. Nem relinchava, o mudo. Derramam água sanitária na música, ela alvejava. Vai baixando e o cavalinho cansando. Sorte, o dela também. Dessa vez eu pego. Pego o que? Percebo que correr é que é fácil, difícil mesmo é pegar. Mas pegar o que? A música quase surda, imperceptivel. Chegando lá, vou e pego tudo, isso sim. Corri para não pegar? E os cavalinhos param. Pego tudo. Ela desce, a saia faz o som de frufru, e o paspalho corre para um sorveteiro, paspalho. Pego o que? O paspalho foi e pegou pelo menos um sorvete, e eu, pego o que? Ela parada ao lado do cavalo exausto, olhando para mim. Será que ela quer que eu pegue?

Nem todos os sorvetes do mundo me encheriam o vazio do estomago angústiado que eu tinha ao andar na sua direção. Ela olhando. Que profundeza num olhar. Percebia as bochechas róseas de certa graça embaraçada, isso mesmo, ela quer que eu pegue. Mas o que? De que jeito? Desejei ouvir a música alegre que tocava, pelo menos ela me enchia de algo que não desse vazio apertado. Quem me dera estar no cavalinho, só correndo. Mais fácil. Comunhão dos atros, encontro das órbitas, eclipse das faces. Bem de pertinho. Que cheiro gostoso que ela tem.

Ninguém nada fala, não. Um sorriso me é aberto, eu retribuo bem envergonhado. É para pegar, fato! Pego, ou não? Aquilo ou isso? Me decido em pegar, na verdade estava decidido desde o arreio do cavalinho mas agora enrolava que era por medo de não saber bem o que pegar...

Bom, por final basta saber que no meu primeiro passeio de carrousel eu acabei pegando mesmo foi a mão dela. Sai triunfal, esnobando o próposito alcançado para o paspalhudo que só tinha pego o sorvete.