segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Alegoria da Morte.

Um quarto, um vazio, uma janela, um vazio, eu, mais eu vazio, e outras vezes mais o vazio do meu eu. Infinitamente eu, e o vazio infinito. O vazio meu que faz companhia ao Vazio, eles trocando as confidências, olham um para dentro do outro e descobrem que todos os vazios são repletos de.

O grande mistério da vida, da morte e tudo mais além, se resume ao vazio de um quarto branco e a uma vida vazia de tão branca. No meu quarto há meu quarto, eu e mais o pórtico para o vazio cheio que me faz companhia e a que se chama vida. Porque estou preso neles, no quarto e no vazio, da mesma forma que eles estão presos a mim: quartodespensa do vazio. O branco do quarto faz contraste ao vazio cheio de cor e barulho, e tudo mais que é vazio, que vejo pela janela.

As religiões do mundo procuram todas a verdade do pós-morte. Pois então que nada mais verdadeiro que a morte em si, eu já morri faz muitas vidas, infinitas passadas, infinitas por vir. Eu vivi uma vida cheia depois morri, igual a todas como todos julgam. Morri e me encontrei nesse quarto branco com essa janela que é o inferno. Um quarto pequeno com uma grande janela e por ela se vê toda a vida que se vê quando se vive.

Essa é a morte, ou melhor, o além morte. A condenação a toda a vida, novamente. Eu fico aqui sentado, prostado, preso a rever a minha vida, a reviver do começo ao fim, da não vida até a morte e quando eu me vejo morrendo entra em cena o meu nascimento. Um filme em loop, encadeado, infinito. Faz muitas vidas que morri. Perdi a conta, já não sei mais. A única coisa que sei é minha vida toda, sem resalvas, e toda a consequência que daí advém.

A primeira conclusão que se chega, a que cheguei, pois não assumo que tenham outros como eu que não Ixon, Prometeu, Tântalo e Sísifo, é que a vida é presa ao seu próprio vazio e não importa o que, tudo perde o sentido face ao infinito. O infinito é a arma mais poderosa que existe, ele me oprime e quem sabe vai te oprimir também quando você morrer. É a única prisão inescapavél, o inferno mais macabro, a tortura mais dolorosa, o vazio.

Considerar que cada ato que escolher será escolhido para sempre, irrevogável como a sentença do juiz imparcial sobre o réu culpado, é a vida. Toda ela, toda felicidade, toda tristeza, toda as coisas minúsculas ou mesmo as grandiosas, toda mesma sequência... por sempre mais, sempre vezes mais. Soubesse antes viveria diferente, e nada teria mudado, pois tudo é nada frente ao infinito. O infinito é cheio de nada e esmaga tudo que é nada também.

Vejo minha vida e sinto essa Náusa frente ao Absurdo errático que é a resposta dela frente a minha consciência racional, de morto. A náusea é branca o absurdo é vazio, e os dois são a mesma coisa. Isto não é tudo, isto não é nada. As duas caras da mesma moeda, duas aparências para a mesma coisa, duas palavras que são a mesma.

Imagino toda a vida que vivi e percebo que ela só pode existir dentro de mim, habitat do nada, porque o ciclo infinito mesmo pesa infinitamente menos que a condenação a toda vida não vivida. Todas as possibilidades, tudo aquilo que não foi, do que poderia ter sido, de tudo que eu disse não, tudo que eu queria fazer e não tive coragem, tudo que eu evitei, todas experiencias que não tive, todos os livros não lidos, tudo que não aprendi a fazer, tudo que não senti, de todos que não conheci, de todos que não amei, de tudo que corri de, de tudo que eu quase fiz... e por fim ter a consciência disto tudo, nada que fiz!... será nada para sempre, será nada pois veio dele, e tudonada que não vivi será condenado a prisão de dentro de minha cabeça, de dentro de minha vontade. O Branco.

O quarto é branco e tem razão de ser assim. O branco é a impressão no olho de todas as cores. Da mesma forma é a vida, ela é o conjunto das situações que a compõe. O quarto não poderia ser preto, que é cor alguma, pois está no preto todas as cores que não existem, pois o quarto branco está lá para mostrar o branco; conjunto da vida, mas só para resaltar o preto que é tudo o que não foi. Infinitamente maior que o branco, o Preto.

Lembre-se toda a vida não vivida permanecerá para sempre não vivida. Lembre-se disso e escolha bem o que escolher. Pois eu sou a Morte eu estou dentro de você. Lembre-se que estará preso para sempre no quarto branco. Lembre-se que é no preto que permanece toda a esperança de vida futura, que o preto são todas todas as cores que não conhecemos. Onde se encontra toda vida possível.

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