quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Amo Guimarães, Diadorim nem se falo!

"Como se amar uma pessoa que não se conheçe?"

Ele morreu e nem projeto eu não tinha de nascer. São trinta e sete anos que nos separam, de morte e de nascença. Ele morreu no auge, eu nasci na baixa. Demorei bem 20 anos para travar contato com ele.

Primeira olhada foi assim. Livro bonito, capa branca, quê diferente!, tem título em cordão vermelho, até que se parece sangue em escorrimento... Grande Sertão: Veredas. Título com dois pontos, marca estilística. Dei bola não. Hoje grasso arrependimento por não ter comprado uma das dez mil edições do homem que amo.

Segundo olhar foi ele que deu, puxou papo, falou me leva, por carinho. Livro capa verde, capa dura, capa viril, de conteúdo, de Cordisburgo. Peguei, nem vi nada, pagava preço e meio mas levava. Barato foi. Livro é barato sempre. Li desde então e então foi a primeira vez que um livro me leu também. A sensação foi inconsolável, devassamento. Que história contei eu para o livro? Sei não, sei que agente se esbarrou de novo.

Ano mais tarde passei na Travessa de Ipanema, minha preferida. Procurei livro de bolso grande para levar em mala maior para viagem distante e sozinha, achei Guimarães. Comprei edição comum porque a bonita já tinha esgotado. Procurei tempo grande edição da bonita, mas gente esperta não esperou e levaram todos antes de mim.
Edição comum, de tinta preta em folha branca, de história linda e forte. Como Diadorim.

Faz problema não. Se não comprei o livro, mas sei que a minha edição está dentro da Biblioteca parisiense François Mitterrand e atende por chamada de aula de menino de 8.551. Entrei quieto, com medo da imensidão de parede em livros, procurei língua mãe português e lá encontrei. Capa branca de preto sujo, cordão vermelho desfiado, igualzinho ao sonho e só minha. Pois tinha a certeza que nem ninguém tinha a lido desde tão. Vê-se-lá francês catar livro português. Vi não, nem ninguém não vê.

Foi assim a conhecença e o pertencimento. Eu sou dele mais que ele de mim. Descobri o Guimarães para mim, tá lá no espaço público da seção voltada para o lusófono, pode ir lá ver, conferir, mas não arreda posse que escaramuça de faca não-afiada há de haver. Número 8.551, têm carimbo local em azul e mais uns outros números de ordem de prateleira cheia que ninguém visita.

Como ama-lo? Sei não que amar é coisa de corpo que não se entende. No livro dele tem corpo meu. Não se entende, se ama. E justo entendimento que se não necessita... Eu sempre procuro a elocução da palavra, as possibilidades de dizer limita em muito a capacidade de viver. Em verdade, viver é narrar desde em contínuo sua própria história, tem vida não sem Palavra, com 'p' grande de importância. Viver são duas perninhas entre o 'a' e o 'z' e tudo tá lá dentro.

Ele amou a palavra, eu a amo também. Amamos os dois ela, palavra: Palavra. Eu busquei sempre em formas complexas disnenarráveis tudo o que ele em palavra fecunda de analfabeto criou. Discerrando abismos da natureza humana em língua de jagunço dia-a-dia. O valor da literatura contra o valor da mente que pensa num mundo sem tanto sentido. E Eu amo a literatura como eu amo a vida como eu amo Guimarães. Guimarães criou Diadorim. Eu amo Guimarães, Diadorim nem se falo.

Diadorim é a mulher da minha vida e para além dela. Mulher de vida-vida foram outras, projeções mesmo das que existiram, e mesmo existência d'outra das projetadas. Eu amei muita mulher longe, pouca mulher perto. Amei muita mulher personagem, personagem de história de vida vivida na narrativa. Amei mulher mãe, mulher irmã. Amei mulher fatal. Amei mulher bonita que só. Mas nunca que amei amiga não. Quero amar mulher amiga, de se conhecer desde antanho estórinhas partilhadas em segredo de noite. De saber minúscias de mão em cabelo e sorriso bobo de sem-graça. De amar amando sem entender...

Reinaldo é mulher forte, corajosa. Herói, heroína dos meus sonhos, do meu livro. Do corpo no livro. Beleza de olhos verde, esmeraldadinhas. Pois vou eu amando ela enquanto minha Diadorim não me bate à porta e diz: Cheguei.

Um comentário:

  1. Acompanhando. Sendo esta a única maneira de me fazer PRESENTE.

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